52054 - UMA EXPERIÊNCIA DOUTORAL SOBRE A ATENÇÃO PRIMÁRIA Ä SAÚDE: VISITANDO SERVIÇOS DA AMÉRICA LATINA SEM PADRINHOS E CARIMBOS AMANDA FIRME CARLETTO - IMS/UERJ
Contextualização Ao considerar que as alterações estruturais impostas com a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) de 2017, instaurada pela Portaria no 2.436 (Brasil, 2017) influenciaram o eixo democrático do Sistema Único de Saúde (SUS) e simbolizaram um risco para a universalização do acesso (Carletto, 2021), surgiu o anseio por averiguar como o panorama brasileiro estava conectado com a realidade deste nível de atenção de outros países da América Latina. A escolha por estudar a região tem a origem no entendimento de que o modelo de Atenção Primária à Saúde (APS) tem relação com as políticas de proteção social dos países, é suscetível a influências internacionais e tende a seguir padrões de nações de uma mesma região e com características similares. A experiência dialoga com demandas sociais e sanitárias da região e está em consonância com a necessidade de mais comprometimento dos pesquisadores para a transformação social com a realização de análises sociais sobre a América Latina, mencionada por Levcovitz e Costa-Couto (2019). Conforme vivenciamos, o desafio de garantir o acesso aos serviços de saúde a todas as pessoas (apesar de atravessar séculos e constar em uma vasta literatura) persiste enquanto barreira imensurável na maior parte do mundo, com isso, carece de ser investigado permanentemente, tem utilidade e relevância pública.
Descrição da Experiência A experiência compreende um percurso doutoral em um roteiro que atravessou cinco países da América do Sul e o México. Com caráter qualitativo exploratório, incluiu a observação participante nas salas de espera dos equipamentos de primeiro nível de atenção, conversas com profissionais e, em oportunidades pontuais, diálogo com usuários. Para consolidar as impressões sobre a prestação de serviços, registros fotográficos e escritos foram realizados. Com o objetivo de compreender o panorama o mais próximo possível da realidade, não foram realizadas articulações com instituições, comunicações com atores influentes e nem agendamentos previamente às visitas, por isso, considera-se que a experiência foi realizada sem carimbos e padrinhos. A única forma de identificação utilizada foi enquanto doutoranda brasileira que investiga o tema. Especificamente sobre as vivências no México, como compreendeu o doutorado sanduíche financiado pelo programa de internacionalização da Coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior - CAPES PrInt, houve identificação formal com carta de apresentação do Instituto Nacional de Saúde Pública de Cuernavaca/Morelos durante as visitas.
Objetivo e período de Realização Buscou-se vivenciar como os serviços de primeiro nível de atenção são ofertados em outros países da América Latina para compreender se estavam conectados com as mudanças ocorridas na APS brasileira com a Portaria no 2.436(Brasil, 2017). Foram realizadas visitas, observação participante e diálogos não programados em serviços do Peru, Bolívia, Chile, Argentina e Paraguai de agosto de 2023 a janeiro de 2024 e, em cidades do México pelo doutorado sanduíche em andamento, de abril a setembro de 2024.
Resultados Analisa-se que o gritante subfinanciamento do SUS e a ameaça democrática à saúde universal que presenciamos com governos de extrema direita tem conexões com cenários da região na qual o direito à saúde também é gerador de outras iniquidades sociais, entretanto, de forma mais visível por meio de seguros sociais que diferenciam acesso a depender do trabalho formal e até mesmo do ingresso salarial. Identifico que este cenário de crescente risco democrático também está articulado com induções de organismos internacionais que, apesar de citarem a justiça social, já nem sinalizam o dever do Estado em ofertar direitos sociais. Infelizmente, a APS da região compartilha de sérios problemas de infraestrutura; da necessidade de complementação dos serviços públicos com a contratação do setor privado por seguros e por pagamento direto; e da utilização da imprecisão conceitual da APS como fuga da responsabilidade Estatal. Agregando fragilidade, identifica-se como a participação e o controle social são fatores de risco democrático na região que, agravados pela violência biomédica à medicina tradicional e alternativa, somam-se à repressão à educação popular nas comunidades tradicionais.
Aprendizado e Análise Crítica Assumo a sensação de isolamento do Brasil não somente pelo idioma como também pelo desagradável efeito de superioridade geográfica e científica. Chama atenção como não temos o hábito de mencionar o sistema de saúde das forças armadas e os seguros de saúde específicos para determinados trabalhadores do Estado como partes do sistema público, os protegendo e nos isolando da cruel desigualdade de financiamento e acesso. Além disso, nos custa assumir que o poder de consumo também segrega nosso acesso a serviços de saúde. Ou seja, o sistema público de saúde do Brasil extrapola o SUS e, inclusive, se faz urgente mapear a participação privada porque renegá-la não tem diminuído sua participação. Um outro aspecto relevante é que, apesar de termos um sistema único e de acesso universal, sofremos com fragilidades que nos impedem de exercermos inteiramente este caráter, como é o caso da extrema descentralização não acompanhada da sólida regionalização, e também da não integração dos sistemas de informação e dados, habitualmente susceptíveis à questionamentos éticos e facilmente avaliados como ineficientes. Um outro aspecto identificado foi a separação dos serviços de APS ofertados para a população indígena de todas as outras equipes e a invisibilidade das singularidades da população do campo e rural remota por todas as nossas Políticas de Atenção Básica brasileiras.
Referências BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2017.
CARLETTO, A.F. O sentido político da Atenção Básica: descompassos da Portaria n°2.436 de 2017 ameaçam o coração do SUS. Dissertação (Mestrado). Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, p. 95. 2021.
LEVCOVITZ, E.; COSTA-COUTO, M. H. Sistemas de saúde na América Latina no século
XXI. In: NOGUEIRA, R. P.; SANTANA, J. P.; PADILLA, M. et al. (org.). Observatório
Internacional de Capacidades Humanas, Desenvolvimento e Políticas Públicas: estudos e
análises. Brasília, DF: Nesp: Ceam: UnB: Nethis: Fiocruz, 2018. p. 99-118.
Fonte(s) de financiamento: Programa Institucional de Internacionalização – CAPES - PrInt
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