04/11/2024 - 13:30 - 15:00 RC1.1 - Modelo de desenvolvimento, clima e emergências sanitárias |
54405 - DESASTRE DA SAMARCO E O SUS: DESAFIOS PARA DESPRIVATIZAÇÃO DA REPARAÇÃO EM SAÚDE SERGIO ROSSI RIBEIRO - MINISTÉRIO DA SAÚDE, GABRIELA MACIEL DOS REIS - MINISTÉRIO DA SAÚDE
Contextualização Em 05 de novembro de 2015 a barragem de Fundão, de propriedade da mineradora Samarco Mineração S.A. rompeu, despejando mais de 44 milhões de m3 de rejeitos de mineração no meio ambiente. O material despejado percorreu toda a extensão do rio Doce até desaguar na sua foz, no litoral do estado do Espírito Santo. Os números envolvidos na tragédia são superlativos: mais de 675 km de rios e cursos d'água foram atingidos, 11 toneladas de peixes mortos, 1551 hectares de solo atingidos até a UHE Risoleta Neves, 48 Municípios Atingidos nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. O desastre socioambiental é considerado um dos maiores já registrados envolvendo barragens de mineração.
O tratamento aos danos e impactos ocasionados pelo desastre foi feito a partir do modelo de solução negocial. Assim, diversos acordos foram celebrados e homologados judicialmente (Ferreira, 2020). Um dos primeiros foi o Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC). O TTAC estabeleceu diversas obrigações e medidas de compensação e reparação. Ao todo foram previstos 42 programas socioambientais e socioeconômicos de reparação e compensação dos danos. Para a execução das obrigações estabelecidas no acordo, foi definida a constituição de uma fundação privada constituída pelas empresas mineradoras causadoras do desastre, a Fundação Renova.
Descrição da Experiência Trata-se do relato da experiência da constituição e ações desenvolvidas pelo grupo de trabalho instituído, no âmbito do Ministério da Saúde, para a elaboração e proposição de plano estratégico para medidas de reparação em saúde das populações atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão.
Os acordos judiciais celebrados desde a ocorrência do desastre, assim como o papel e a atuação da Fundação Renova não são objetos de análise deste trabalho. Existem diversas análises que apontam os desvios, conflitos, inadequações e falência do processo de reparação promovido e organizado em torno e a partir da Fundação Renova (Ferreira, 2020; Lavalle e Carlos, 2022).
Todavia, exatamente, em decorrência dos fracassos da solução negocial e da sobreposição imposta ao SUS através da atuação da Fundação Renova, assim como da complexidade e multiplicidade de atores envolvidos no processo de reparação é que a constituição de um colegiado, no âmbito do Ministério da Saúde, voltado para a análise, definição e proposição de ações estratégicas para enfrentamento dos danos e impactos à saúde torna-se necessário.
O relato em tela, traz, portanto, a experiência da constituição do GT-Rio Doce, grupo de trabalho instituído para a elaboração e proposição de plano estratégico para medidas de atenção, vigilância e promoção integral à saúde das populações atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão.
Objetivo e período de Realização Relatar a experiência de constituição, atuação e desenvolvimento do GT-Rio Doce, assim como seus desafios e perspectivas, no período de fevereiro a junho de 2024.
Resultados O GT-Rio Doce foi instituído pela Portaria GM/MS nº 3.137. É formado por representantes do Ministério da Saúde, Anvisa, Fiocruz e gestores dos dois estados: Minas Gerais e Espírito Santo. Os trabalhos do GT foram iniciados pelo levantamento dos dados e informações que pudessem caracterizar os danos à saúde causados pelo desastre e pela definição do escopo e objetivos do Plano Estratégico. Para a elaboração do Plano Estratégico foram definidos 6 eixos temáticos: Atenção Integral à Saúde das Populações Afetadas pelo desastre; Vigilância em Saúde das Populações expostas ou potencialmente expostas aos danos e impactos do desastre; Saúde dos Povos Indígenas, Quilombolas e Povos e Comunidades Tradicionais; Estudos e Pesquisas; Comunicação de Risco e Educação Permanente; Governança.
Até o momento o GT-Rio Doce realizou duas reuniões e entre os seus desafios podemos destacar a dificuldade em obter dados e informações que possam caracterizar a situação de saúde nos territórios atingidos, assim como a atuação ineficaz e indevida da Fundação Renova, entidade que tinha a obrigação de executar as ações de reparação nos territórios atingidos.
Aprendizado e Análise Crítica A gestão de riscos e desastres estabelece, em linhas gerais, uma atuação orientada para intervenções nas fases de identificação dos riscos, mitigação, preparação, resposta e reconstrução. O SUS possui diversas experiências de atuação em contextos de desastres. O rompimento da barragem de Fundão foi o primeiro desastre dessa magnitude envolvendo barragem de rejeitos de mineração e para o qual não havia uma preparação e/ou orientação de atuação.
A adoção da solução negocial estabeleceu que uma entidade privada ficaria responsável pela definição e execução das ações de reparação. Essa solução relegou o SUS a um papel meramente de acompanhamento e fiscalização dessas ações, sem um poder de intervenção e/ou reorientação do processo. O processo de aprendizagem e qualificação do SUS, em todas as suas esferas, para lidar com a complexidade envolvida num desastre de tal magnitude foi fortemente impactado pelo tratamento dado ao desastre.
A Fundação Renova, orientada pelos interesses das empresas, recusou ou protelou, no âmbito administrativo ou judicial, a execução das ações e medidas recomendadas pelo poder público ou reivindicadas pelas populações atingidas.
A constituição do GT-Rio Doce busca, em alguma medida, contornar os erros cometidos no processo de reparação, resgatando o protagonismo do SUS e o caráter da política pública nesses processos.
Referências Lavalle, Adrian Gurza; Carlos, Euzeneia (orgs.). Desastre e desgovernança no Rio Doce: atingidos, instituições e ação coletiva. Rio de Janeiro: Garamond, 2022. 436 p.
Machado et al (2020). Desastre da Samarco e políticas de saúde no Espírito Santo: ações aquém do SUS? Saúde em Debate. v. 44. Nº Especial 2, p. 145 – 158, Julho 2020.
Santos et al (2020). Território e desterritorialização: o sofrimento social por desastre ambiental decorrente do rompimento de barragens de mineração. Saúde em Debate. v. 44. Nº Especial 2, p. 262 – 271, Julho 2020.
Silva, E. L. Silva, M. A. (2020). Segurança de barragens e os riscos potenciais à saúde pública. Saúde em Debate. v. 44. Nº Especial 2, p. 242 – 261, Julho 2020.
Valentim, L. S. O., Nardocci, A. C., Gouveia, N. (orgs.). Áreas contaminadas e saúde. São Paulo: Editora dos Editores. 2022.
|
|