52901 - O GRITO DECOLONIAL NA SAÚDE: A JUREMA SAGRADA E OS CAMINHOS ANCESTRAIS DE CURA E CUIDADO ALCIEROS MARTINS DA PAZ - FIOCRUZ - PE, FERNANDO VALENÇA, BEATRIZ CRUZ PEDROSA, MARIA EDUARDA SOARES DINIZ ANTUNES, SAULO DE OLIVEIRA UCHÔA CAVALCANTI BARROS, JONATAN WILLIAN SOBRAL BARROS DA SILVA UCHÔA - FIOCRUZ - PE, SYDIA ROSANA DE ARAUJO OLIVEIRA - FIOCRUZ - PE
Contextualização A colonialidade enquanto estrutura de poder global, sustenta relações assimétricas e afeta a vida das pessoas, uma vez que incide e monopoliza as mentes, vidas, línguas, sonhos e epistemologias (Ndlovu-Gatsheni, 2013). O cuidado em saúde hegemônico no contexto contemporâneo está dominado pela colonialidade do ser, do saber e do poder (Mignolo, 2003).
A Jurema Sagrada, prática religiosa ancestral, fortemente presente no Nordeste brasileiro, tem sua base na medicina indigena, assim como, nos caminhos de cuidado produzidos da Mãe África e trazidos pela diáspora africana. Possui sua visão de cuidado amparado pela multidimensionalidade dos corpos em suas diferentes camadas: físico, mental, espiritual e familiar.
Ancorados no pensamento colonial e na demonização dos cultos de matriz afroindigena, práticas regionais de cuidado em saúde presentes no território, como a Jurema, foram deixados de lado e categorizados como atraso epistêmico-sanitário (Lima Junior, 2014). Neste contexto de invisibilidade e disputa, apresenta-se a Jurema Sagrada e seus caminhos decoloniais de cuidado.
Processo de escolha do tema e de produção da obra O mais direto fio que unifica as dimensões da colonialidade é o sujeito colonizado, que é chamado de damné ou condenado. São os sujeitos localizados fora do espaço e do tempo humanos, descobertos juntos com suas terras. Os condenados não podem assumir a posição de produtores de conhecimento, devem permanecer em seus lugares de subalternos, fixos e engessados (Fanon, 2008; Maldonado-Torres, 2018).
Assim, o projeto possui como ponto de partida a subversão da ordem colonial/moderna e a reivindicação e grito dos condenados como produtores de conhecimento e de saúde. A Jurema, ancorada na medicina indigena, ramifica os saberes, conhecimentos e caminhos ancestrais de cuidado na contemporaneidade. Um diálogo entre as matas dos encantados, a mironga dos pretos, a risada das mestras, o canto das sereias, a fumaça do cachimbo, o padê de exu, com os corpos multidimensionais e a legitimidade do cuidado em saúde produzido.
Os questionamentos da produção artística giraram em torno do cuidado em saúde decolonial da jurema, seus caminhos e elementos, assim como do (não) diálogo com a políticas públicas de saúde: Como a Jurema Sagrada produz cuidados em saúde? Quais as dimensões e elementos litúrgicos do cuidado? O que a Jurema provoca nos seus adeptos? O terreiro de Jurema é um equipamento social produtor de saúde? Qual o papel do Estado e das políticas de saúde nesse caminho decolonial?
Objetivo e período de Realização Ilustrar os caminhos do cuidado em saúde e cura decoloniais da Jurema Sagrada, a partir dos seus elementos litúrgicos, espaços sacralizados, dimensões do ser e comunhão entre a comunidade e os encantados. Assim como, fomentar a reflexão das políticas públicas de saúde e a promoção do diálogo entres diferentes caminhos e perspectivas do cuidar.
O trabalho reúne registros fotográficos de cerimônias realizadas no terreiro de Jurema e Umbanda Casa de Luz de Pai Oxalá entre Janeiro e Maio de 2024.
Descrição da Produção Os registros fotográficos foram realizados por Fernando Valença, no terreiro de Jurema e Umbanda Casa de Luz Pai Oxalá entre Janeiro e Maio de 2024, no município de São Lourenço da Mata - Pernambuco.
O uso de imagens, especialmente fotográficas, ocupa lugar de destaque no campo das ciências humanas, principalmente na necessidade de ir além da descrição de textos e palavras, para construção de discursos, ideias e reflexões desejadas (Wolniewicz, 2019). Dessa forma, as fotografias foram produzidas e selecionadas intencionando provocar um comportamento intelectual e emotivo no expectador, impulsionando a necessidade de enxergar o terreiro como um equipamento social produtor de cuidado e cura em saúde, potente e ancorado numa cosmovisão decolonial ancestral indígena e afro diaspórica.
Busca-se com as obras a abertura de olhares e a permeabilidade de outros caminhos no cuidado e entendimento dos corpos em suas diversas camadas mentais, sociais, artísticas, naturais e políticas, que transcendem o padrão hegemônico e cartesiano de cura e saúde.
As imagens podem ser vistas por meio do link https://drive.google.com/file/d/1GL5TUxx_en6cLSlnnimZO-aNfZwna9ZV/view?usp=drive_link
Análise crítica da obra Com amor e raiva, o condenado emerge como um pensador, um criador/artista e um ativista (Maldonado-Torres, 2018), saindo do lugar da subalternidade, fixa e engessada da colonialidade. No contexto capitalista, a saúde não se configura como um mecanismo coletivo de cuidado, mas sim de uma ferramenta de acumulação do capital. O foco está na mercantilização e no lucro obtido através dos processos, desta forma, as práticas e pesquisas são direcionadas a promoção do bem-estar com potencial de geração de lucro. Esse viés resulta na marginalização das ciências não convencionais, que são relegadas a uma posição de desinteresse (Barbosa, 2010).
O debate decolonial na saúde iniciou um movimento importante de retorno e reconstrução do pensar o cuidado em saúde para além da lógica cartesiana eurocêntrica. O giro decolonial conclama um retorno aos saberes tradicionais e formas de cuidado singulares, assim como questiona e reivindica o lugar das intersubjetividades e suas dimensões heterogêneas e geopoliticamente localizadas.
Os juremeiros e a ciência da Jurema se somam aos povos tradicionais e originários de nosso país, como condenados da colonialidade. O trabalho se materializa como um elemento de conexão, debate e celebração do cuidado em saúde decolonial, a força e ciência da Jurema e as possibilidades de se criar pontes entre as diferentes ciências e caminhos de se produzir cuidado.
Referências BARBOSA, R. H. S.. A ‘teoria da práxis‘: retomando o referencial marxista para o enfrentamento do capitalismo no campo da saúde. Trabalho, Educação e Saúde, v. 8, n. 1, p. 9–26, 2010.
FANON, F. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: Edufba; 2008.
LIMA JUNIOR, L. G. S. Cuidado em saúde e colonialidade do ser: perspectivas para um saber-fazer corporificado.” In: Seminário apresentado em Humanidades em Contexto, 2014.
MALDONADO-TORRES, N. Analítica da colonialidade e da decolonialidade: algumas dimensões básicas. In: COSTA, J. B.; MALDONADO-TORRES, N.; GROSFOGUEL, R. Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, 2018. p. 27-53.
MIGNOLO, W. D. Historias locales/diseños globales: colonialidad, conocimientos subalternos y pensamiento fronterizo. España: Akal As, 2003.
NDLOVU-GATSHENI, S. J. Why decoloniality in the 21st century. The thinker, v. 48, p. 10-15, 2013.
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