48692 - CUIDADO PERFORMATIVO DAYANE LACERDA QUEIROZ - INSTITUTO RENÉ RACHOU FIOCRUZ MINAS, CELINA MARIA MODENA - INSTITUTO RENÉ RACHOU FIOCRUZ MINAS, PAULA DIAS BEVILACQUA - INSTITUTO RENÉ RACHOU FIOCRUZ MINAS
Contextualização O cuidado à saúde é, antes de tudo, uma forma de saber-poder (FOUCAULT, 2010, 2012, 2023). Na contemporaneidade, a saúde é definida pelo conhecimento que possuímos da doença, conhecimento esse atravessado pela massificação de um “bem-estar” universal. No que se refere ao cuidado de pessoas que usam drogas, o proibicionismo é uma barreira ética e moral estabelecida desde o século XX, o qual impede o aprofundamento de novas perspectivas de cuidado. A arte, como um campo de práticas sensíveis ancoradas no corpo e na inventividade, pode oferecer à Redução de Danos (RD) e à Saúde Coletiva (SC) um caleidoscópio de novas percepções voltadas ao cuidado de pessoas que usam drogas. Em 2023, foi realizado na cidade de Belo Horizonte o Projeto BASEADO EM CENAS RACIAIS (BCR), patrocinado pela Lei Municipal de Incentivo a Cultura. Foram desenvolvidos encontros nos Centros de Referência em Saúde Mental álcool e outras drogas (CERSAM AD) com o objetivo principal de discutir a relação entre arte e RD no cuidado à saúde de pessoas que usam drogas. A partir desses encontros os artistas desenvolveram AÇÕES PERFORMATIVAS DE CUIDADO em espaços urbanos com cenas de uso de droga. O curta: BCR (2023, BH) surge do encontro entre artistas e usuários na tentativa de construir caminhos alternativos de cuidado, suplantando o julgamento moral na criação e exercício do conceito de CUIDADO PERFORMATIVO.
Processo de escolha do tema e de produção da obra Considerando que a Saúde Coletiva analisa as desigualdades sociais e em saúde em relação as estruturas capitalistas, é importante considerar que as vulnerabilidades contemporâneas perpassam questões estruturais com três eixos de dominação: colonialismoracista, heteropatriarcado e capitalismo (PORTO et al. 2021). Ao considerar o cuidado como “percepções práticas”, as quais se objetivam nos atos performativos, é possível propor reflexões que tenham como base metodológica, epistemologias emancipatórias que promovam singularidades no processo saúde-doença-cuidado. A inserção cada vez maior de artistas no contexto da RAPS (BH) demanda um aprofundamento das metodologias, bem como a problematização de suas práticas. Refazer o objeto saúde-doença-cuidado por meio de práticas artistas proporciona a Saúde Coletiva um aprofundamento dos conceitos de Saúde e Cuidado, e fornece aos artistas reflexões necessárias sobre a complexidade do proibicionismo e suas consequências político-sociais. O projeto BCR surge a partir dessas reflexões, inserindo no espaço urbano AÇÕES PERFORMATIVAS DE CUIDADO que tenham como foco o corpo e a inventividade. Para além da distribuição de insumos, a RD fornece ao projeto possibilidades de ancorar no corpo e na imaginação caminhos alternativos de construções de cuidado singulares e emancipatórias.
Objetivo e período de Realização O objetivo do projeto BCR foi a produção de ações performativas de cuidado no espaço urbano com cenas de uso de drogas.
Buscamos identificar as contribuições do Cuidado Performativo na criação de atos performativos contraditórios e potencializadores do cuidado às pessoas que usam drogas. O projeto foi realizado no ano de 2023 (de março a outubro) na cidade de Belo Horizonte.
Descrição da Produção O sujeito que usa drogas é interpelado pela linguagem através de, ao menos, dois enunciados: a culpa e o vício. Todo o arcabouço institucional que o cerca se determina, exclusivamente, através do seu ato, o uso de drogas. Os cuidados que ele recebe também se tornam atos performativos (BUTLER, 2021) porque são oriundos da premissa do proibicionismo, da culpa moral e do uso prejudicial de entorpecentes. Todo um discurso foi construído ao longo da história para sujeitar o usuário de drogas ao poder da universalização. Na prática artística direcionada
ao cuidado, as experiências têm como foco a criação de imagens, um movimento criativo que performa as contradições universais (BUTLER, 2017) por meio do encontro entre corpos, suas imperfeições, seus estilhaços, seus pedaços que buscam novas possibilidades de (re)invenção da existência. O que seriam essas imperfeições? A não universalidade do corpo, da saúde, e de hábitos “imorais”. Logo, o CUIDADO PERFORMATIVO surge como um exercício prático-perceptivo do vai-e-vem entre a interioridade e a exterioridade na criação de contradições performativas por meio da criação de novas percepções-imagens.
Análise crítica da obra O projeto BCR se deu através da investigação da artista e pesquisadora Dayane Lacerda no desenvolvimento do conceito de CUIDADO PERFORMATIVO. Doutoranda em Saúde Coletiva e mestre em Artes da Cena, a pesquisadora vem desenvolvendo esse conceito por meio do exercício prático-teórico do Coletivo Arte e RD e de sua pesquisa de doutorado intitulada “CUIDADO PERFORMATIVO: uma articulação improvável entre contradições performativas e o cuidado de pessoas que usam drogas”. O curta metragem BCR é um compilado fílmico do exercício prático-teórico do conceito de Cuidado Performativo.
Ultrapassar a droga para ir de encontro ao sujeito foi um desafio que se apresentou na realização da proposta, bem como na efetivação do cuidado com foco no corpo e na imaginação. Corpos vulnerabilizados experimentam, constantemente, o poder que a violência (MOMBAÇA, 2021) exerce sobre atos performativos e por meio deles. Seus corpos simbolizam uma trama de estruturas enraizadas socialmente que compromete simbolicamente e efetivamente suas percepções. Questões de raça, gênero e socioculturais atravessaram constantemente os atos performativos, reafirmando a necessidade de construir um cuidado que seja transpassado, constantemente, pela relação político-social que envolve o uso de drogas.
LINK PARA O CURTA DO YOUTUBE: https://www.youtube.com/watch?v=QrWQ59Tzcc4&t=25s
Referências AYRES, J. O cuidado, os modos de ser (do) humano e as práticas de saúde.
Saúde e Sociedade, v. 13, n. 3, p. 16–29, dez. 2004.
BOURDIEU, P. A sociologia de Pierre Bourdieu/Renato Ortiz (org). São Paulo:
Editora Olho d`Água. 2003.
BOURDIEU, P. Notas provisórias sobre a percepção social do corpo. Pro-Posições, v. 25,
p. 247–256, abr. 2014.
BUTLER, J. Relatar a si mesmo: Crítica da violência ética. Belo Horizonte: Editora
Autêntica, 2017.
BUTLER, J. Discurso de ódio: uma política do performativo. São Paulo: Editora
Unesp, 2021.
CARNEIRO, H. Drogas: a história do proibicionismo. São Paulo: Editora
Autonomia Literária, 2018.
FOUCAULT, M. Microfísica so poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2010.
FOUCAULT, M. A História da Loucura. São Paulo: Perspectiva, 2012.
FOUCAULT, M. História da Sexualidade: cuidado de si. São Paulo: Editora Paz e
Terra, 2023.
MOMBAÇA, J. Não Vão Nos Matar Agora.Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2021.
Fonte(s) de financiamento: Os (as) autores (as) agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), pelo apoio financeiro por meio da Chamada FAPEMIG 13/2023 - Participação coletiva em eventos de caráter técnico-científico no país.Bolsista CAPES.
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