53520 - CONSUMO AMBULATORIAL DE ANTIMICROBIANOS NO BRASIL E A PANDEMIA DE COVID-19: UMA ANÁLISE DE IMPACTO MICHELE COSTA CAETANO - ENSP/FIOCRUZ, MÔNICA RODRIGUES CAMPOS - ENSP/FIOCRUZ, ISABEL CRISTINA MARTINS EMMERICK - ENSP/FIOCRUZ, DÉBORA CASTANHEIRA PIRES - INI/FIOCRUZ, VERA LUCIA LUIZA - ENSP/FIOCRUZ
Apresentação/Introdução A resistência microbiana é uma das 10 ameaças à saúde pública global, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) (1). Estima-se que a AMR pode causar 10 milhões de mortes por ano, a partir de 2050, se seu avanço não for contido (2). A pandemia de COVID-19 impôs uma série de desafios aos sistemas de saúde, incluindo o uso excessivo de antimicrobianos (ATM). Há evidências que apontam um agravamento do cenário da AMR em decorrência da pandemia, muito embora a COVID-19 seja uma doença viral (3). O Brasil foi um dos países mais afetados pela COVID-19, sendo um dos principais epicentros no mundo. A disseminação do vírus ocorreu de forma heterogênea pelo país em decorrência do deslocamento de indivíduos entre os centros urbanos, adoção desigual de políticas e medidas de contenção da transmissão do vírus entre estados e municípios, bem como iniquidades socioeconômicas existentes (4). A maior parte do consumo de ATM ocorre no nível ambulatorial, sendo ao menos a metade considerada inadequada (5). Muito países apresentaram mudanças no padrão de consumo de ATM em decorrência da pandemia, incluindo o Brasil (6). A despeito de ser um ponto sensível a mudanças, o uso ambulatorial de ATM ainda é pouco explorado pela literatura científica, sobretudo no contexto brasileiro.
Objetivos Analisar o impacto da pandemia de COVID-19 no consumo ambulatorial de ATM no Brasil, nas farmácias e drogarias privadas, de janeiro de 2017 a outubro de 2021.
Metodologia Estudo longitudinal, retrospectivo que aplicou a abordagem de séries temporais interrompidas (ITS). O desfecho de interesse foi o consumo de ATM medido em Dose Diária Definida por 100.000 habitantes por dia (DID). Os dados foram obtidos pelo Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), que contém os registros das vendas de ATM realizadas pelas farmácias e drogarias privadas. Foram definidas 4 categorias de análise: grupos ATC; grupos AWARE; macrorregiões do país; e ATM mais vendidos (em volume) – amoxicilina, amoxicilina-clavulanato, azitromicina, cefalexina, ciprofloxacino e levofloxacino. O impacto da COVID-19 no consumo de ATM foi determinado por análises de ITS, utilizando a modelagem Sazonal Autorregressiva Integrada de Médias Móveis (SARIMA) no R Studio 4.2.1. Foi considerado como período de adaptação da intervenção o mês de março de 2020. O impacto da pandemia sobre o consumo foi estimado imediatamente após a intervenção (nível) e a longo prazo (tendência). Utilizou-se a diferença percentual entre o valor modelado da série e o contrafactual em abril/2020 e outubro/2021, que se traduz em uma medida resumida do impacto da COVID-19.
Resultados e Discussão Foram analisadas 170.856.654 vendas de ATM de farmácias privadas de 2017 a 2021. Azitromicina, amoxicilina e amoxicilina-clavulanato somaram metade das prescrições e 6 ATM foram responsáveis por 75% do total. O consumo anual de ATM no Brasil foi menor que em vários países desenvolvidos (7), variando de 3,99 a 4,85DID. No período pré-intervenção, o consumo permaneceu estável, sendo fortemente marcado por sazonalidade, com picos no inverno e quedas no verão. A COVID-19 impactou tanto no nível quanto na tendência do consumo, resultando em uma ruptura completa dos padrões existentes pré-intervenção. Houve redução no consumo ambulatorial de ATM globalmente, sobretudo nos primeiros meses, devido às medidas de prevenção. Um padrão similar foi observado no Brasil, com queda abrupta e significativa no nível de consumo pós-pandemia de 1,3 DID/ mês, seguida de uma tendência ascendente de 0,07 DID/ mês. O consumo variou regionalmente, sendo maior no Sudeste e Sul e até 10 vezes menor no Norte. Discrepâncias na adesão às medidas de prevenção e a falta de coordenação nacional no manejo da pandemia podem ter contribuído para as diferenças regionais observadas no consumo a partir de 2020. O grupo ‘Acesso’ predominou, mas o uso de ATM do grupo ‘Alerta’ cresceu na pandemia. Penicilinas, macrolídeos, quinolonas e cefalosporinas foram os grupos terapêuticos mais utilizados. Após a COVID-19, o consumo de macrolídeos aumentou às custas do declínio das penicilinas. A azitromicina foi o ATM mais vendido e seu consumo aumentou 42% entre 2019 e 2021. Esta determinou, essencialmente, a mudança no comportamento do consumo de ATM ambulatorial. O impacto da pandemia foi atenuado para a maioria dos grupos de ATM no final da série, coincidindo com o avanço da cobertura vacinal contra a COVID-19.
Conclusões/Considerações finais A pandemia de COVID-19 reduziu significativamente o consumo ambulatorial de ATM no Brasil, o que era esperado devido às medidas de contenção da doença, que impactaram tanto a incidência de infecções bacterianas quanto a utilização dos serviços de saúde. No entanto, para a azitromicina, houve uma completa ruptura no padrão de consumo pré-pandemia, que se tornou errático e pareceu estar associado à disseminação de informações falsas sobre sua eficácia na prevenção e tratamento precoce da COVID-19. As consequências do uso inadequado de ATM no aumento da AMR na população em geral, ainda não está completamente elucidado. Em vista da experiência com a COVID-19, é essencial estabelecer mecanismos para fortalecer o uso apropriado de ATM, a fim de prevenir seu uso indiscriminado em outras possíveis emergências sanitárias futuras.
Referências 1. WHO. Antimicrobial Resistance. WHO. 2021.
2. O’Niell J. Tackling Drug-Resistance Infections Globally. London, UK: Review on Antimicrobial Resistance; 2016. 84 p.
3. Langford BJ et al. Antibiotic resistance associated with the COVID-19 pandemic: a systematic review and meta-analysis. Clin Microbiol Infect. 2023;29(3):302–9.
4. Castro MC et al. Spatiotemporal pattern of COVID-19 spread in Brazil. Science. 2021;372(6544):821–6.
5. PAHO. Recommendations for Implementing Antimicrobial Stewardship Programs in Latin America and the Caribbean: Manual for Public Health Decision-Makers. Washington, D.C: PAHO; 2018. 144 p.
6. Caetano MC et al. Consumo de antimicrobianos nas farmácias e drogarias privadas brasileiras à luz do PAN-BR e da pandemia de COVID-19. BJDV. 2022;8(1):645–69.
7. ECDC. Antimicrobial consumption in the EU/EEA. Annual Epidem. Report 2021. Stockholm: ECDC; 2022.
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