54192 - NEGRITANDO O CURRÍCULO MÉDICO: FORMAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS EM SAÚDE HEBERT LUAN PEREIRA CAMPOS DOS SANTOS - FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ., ANA LÚCIA ALMEIDA SOUTTO MAYOR - FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
Apresentação/Introdução A formação dos profissionais médicos tem passado por inúmeras transformações, demandando das Instituições de Ensino Superior (IES) à readequação dos currículos. As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o curso médico, reconhecendo a importância e urgência de reformulação da formação e compreendendo o racismo como condição histórica que determina as desigualdades e iniquidades da população negra quanto ao acesso à saúde, propõe que a educação das relações étnico-raciais esteja presente na formação dos médicos e médicas de todo país. O processo educativo e o currículo não são neutros, isto é, encontram-se condicionados por elementos políticos, econômicos, subjetivos e de classe. Mas, embora as ações e iniciativas para reformulação do currículo médico não sejam recentes, as discussões em torno da formação pedagógica dos professores que lecionam nesses cursos para abordagem de tais assuntos ainda são pouco debatidas. Sendo assim, dentre as tantas inquietações que motivaram a construção da proposta aqui apresentada, destaca-se: após a publicação das DCNs de 2014 que orientam a construção dos currículos médicos e determinam a inclusão da abordagem dos aspectos étnico-raciais na formação, tais cursos têm incluído nas grades curriculares disciplinas que abordam raça, racismo e aspectos étnico-raciais? Ocorre formação pedagógica para tratar sobre o tema?
Objetivos Analisar os Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) e as grades curriculares dos cursos de medicina das Instituições Públicas de Ensino Superior quanto à presença de disciplinas voltadas para abordagem sobre raça e racismo.
Metodologia Trata-se de uma revisão documental dos Projetos Políticos Pedagógicos e currículos médicos de dez instituições públicas de ensino superior do Estado da Bahia. Os objetos de análise foram as matrizes curriculares e PPP dos cursos de graduação em medicina das universidades públicas do Estado da Bahia constante no cadastro do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), que foram implementadas ou reestruturadas após o ano de 2014, ano em que as novas Diretriz Curriculares Nacionais para os cursos de medicina foram publicadas. O instrumento de coleta utilizado abarcou: exame do contexto, que serviu para situar as condições históricas e sociais em que esses documentos foram produzidos; número de vagas anuais, ano do PPP, ano de autorização do curso, método de ensino, número de discentes e docentes, identificação das disciplinas que abordam os aspectos étnico-raciais e racismo, considerando qual semestre do curso a disciplina é ofertada, caráter (obrigatória ou optativa) e bibliografia utilizada. Os currículos que possuíam disciplinas sobre a temática foram submetidos a técnica de análise de conteúdo.
Resultados e Discussão Foram analisados dez PPP dos cursos de medicina das IES públicas do estado da Bahia (Quadro 3). Na nossa análise, apenas dois projetos possuíam menções aos aspectos étnico-raciais, sem mencionar a palavra racismo durante a sua constituição. Analisamos as matrizes curriculares de dez cursos, sendo que apenas seis possuíam algum componente que mencionava a saúde da população negra. Das seis disciplinas, apenas quatro eram de caráter obrigatório, sendo a média de carga horária de 60 horas. As análises das disciplinas quanto aos elementos propostos em suas ementas evidenciam que a temática sobre saúde da população negra, raça e racismo são colocadas de forma pontuais, sobretudo, nas disciplinas do campo da Saúde Coletiva. As referências utilizadas se referem, de forma genérica, a saúde da população negra, não possuindo referências que discutam questões mais centrais na constituição do racismo enquanto ideologia. Nas escolas médicas, trabalhar com questões como racismo, lgbtfobia, sexismo, segue gerando um mal-estar. A escola médica tem se comprometido de forma muito tímida na construção de currículos que tensionam problemas estruturais da nossa sociedade. Embora as DCNs tenham determinado a inclusão da temática nos currículos, observamos que nos cursos de medicina das institituições públicas de ensino superior da Bahia sua presença não ocorre de forma sistemática, mantendo um caráter pontual e/ou isolado em alguns currículos, ainda que dentro da grade curricular obrigatória.
Conclusões/Considerações finais Evidenciou-se que a inclusão da discussão sobre raça, racismo e os aspectos étnico-raciais no cuidado em saúde é incipiente e, quase que inexiste nos currículos e PPP dos cursos de medicina das IES públicas do estado da Bahia, elemento que consequentemente pode favorecer a ausência de formação pedagógica dos docentes que lecionam nesses cursos. O modelo de formação que se almeja, deve estar, em maior ou menor medida, concatenado com as intencionalidades imprimidas nos PPPs, nas matrizes curriculares e na formação pedagógica dos docentes que lecionam nesses cursos. Isso significa dizer, em outras palavras, que é impossível formar médicos e médicas capazes de abordar o racismo durante a sua consulta, sem materializar no cotidiano das instituições de ensino superior, a temática. Não é só sobre discutir raça e racismo nos currículos médicos, é preciso abrir espaço para discutir sobre branquitude, mito da democracia racial e tantas outras questões que costuram a temática.
Referências FANON, F. Pele Negra, máscaras brancas: Tradução Renato da Silveira, Salvador: EDUFBA, 2008.
BORRET, R. H.; SILVA, M. F.; JATOBÁ, L. R.; VIEIRA, R. C.; OLIVEIRA, D. O. P. S. de. “A sua consulta tem cor?” Incorporando o debate racial na Medicina de Família e Comunidade : um
relato de experiência. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, Rio de Janeiro, v. 15, n. 42, p. 2255, 2020. DOI: 10.5712/rbmfc15(42)2255.
AZEVEDO BARROS, M. B. Desigualdade social em saúde: revisitando momentos e tendências nos 50 anos de publicação da RSP. Rev Saúde Pública, São Paulo, ano 2017, v. 51, p. 1-8, 9 ago. 2016.
Fonte(s) de financiamento: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio.
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