50989 - MULTADO POR ... PENALIDADES IMPOSTAS AOS TRABALHADORES TÉCNICOS DA SAÚDE: OS ANTIGOS REGULAMENTOS DA FIOCRUZ RENATA REIS CORNELIO BATISTELLA - EPSJV/FIOCRUZ
Apresentação/Introdução O antigo Instituto Oswaldo Cruz (IOC) foi criado em 1900 como Instituto Soroterápico Federal. Em 1907, através de um decreto presidencial foi transformado em Instituto de Patologia Experimental, rebatizado em 1908, de Instituto Oswaldo Cruz. Na década de 1970, o antigo Instituto Oswaldo Cruz é incorporado a Fundação Instituto Oswaldo Cruz, renomeada em 1974 como Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em seus três primeiros regulamentos institucionais, 1908, 1919 e 1926 estavam regulamentadas a aplicação de penalidades em casos de faltas, sendo prevista a aplicação de penas disciplinares de censura verbal e escrita, suspensão e multa. As sanções eram uma das atribuições do cargo de Diretor e poderiam ser praticadas a todos os funcionários que incorressem nos casos de ausências injustificadas no trabalho. Através de uma análise da documentação histórica administrativa, foi possível constatar, que as penas eram aplicadas somente para os trabalhadores denominados no regulamento como subalternos, cujo cargos atendiam pela nomenclatura de serventes de 1ª, 2ª, 3ª e 4ª classe. A análise demonstrou ainda que o cargo de servente foi alterado em regulamentos posteriores passando a denominar-se servente de laboratório e auxiliar de laboratório, que equivalem hoje aos atuais trabalhadores.
Objetivos Refletir sobre as práticas de controle e monitoramento dos processos de trabalho dos técnicos da saúde, a partir de um olhar sobre a particularidade da aplicação de penalidades previstas nos primeiros regulamentos da Fiocruz em seus 30 primeiros anos de existência.
Metodologia Trata-se de uma pesquisa qualitativa documental a partir do acervo arquivístico do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. A investigação das fontes contemplou os Livros de Registros pertencentes à Seção Cadastro de Funcionários Estatutários, composto por nove livros manuscritos contendo os registros funcionais do Instituto Oswaldo Cruz, desde 1908 até a década de 1970, apresentando informações onomásticas sobre cada funcionário contratado ou nomeado para o IOC com dados sobre ingresso, ascensão funcional, férias, licenças, suspensões e punições e outros atos administrativos. Foram selecionados 127 registros até 1930, data limite do estudo, utilizando como critério geral aqueles trabalhadores que constassem em suas notações o cargo de servente, servente de laboratório ou auxiliar de laboratório. A partir deste conjunto, foi possível agregar outras fontes tais como documentos administrativos, técnico-científicos, correspondências, relatórios, ordens de serviço e outros. Os depoimentos orais do Projeto Memórias de Manguinhos foram igualmente, fontes fundamentais para a pesquisa.
Resultados e Discussão A Fiocruz, em seus 30 primeiros anos de existência, mantinha diversos mecanismos de controle de seus trabalhadores técnicos. Merece destaque as penalidades aplicadas aos serventes, registradas em suas folhas funcionais. Estas sanções já estavam previstas nos Regulamentos do antigo Instituto Oswaldo Cruz, desde o primeiro, de 1908, e faziam referência a um Decreto que reorganizou Secretaria de Estado da Justiça e Negócios Interiores, determinando que nos casos de negligência, falta de cumprimento dos deveres ou ausência sem causa justificada, o funcionário estaria sujeito a penas disciplinares que consistiam em simples advertência, repreensão verbal ou por escrito, suspensão de até 15 dias ou demissão, ficando a cargo do chefe de seção ou pelo diretor geral da instituição, sendo gradativas ou não, variando de acordo com a gravidade da falta cometida. Cruzando as informações da legislação que regulava as penalidades do Ministério da Justiça e Negócios Interiores com os registros do livro de assentamentos funcionais, percebe-se que eram aplicados descontos de valores nos salários mensais de acordo com a quantidade de dias previstos na penalidade, somente para os trabalhadores subalternizados, sem que houvesse nenhum registro de multa ou punição aplicada aos funcionários de nível superior, mesmo para aqueles que possuíam notações de ausência no trabalho sem justificativa. Os motivos das multas eram bastante variados sugerindo naturezas diferentes. Foi possível observar que estas tinham como objetivo imediato controlar aspectos como a disciplina e o comportamento dos trabalhadores subalternizados e sua regularidade no trabalho.
Conclusões/Considerações finais O período da Primeira República no Brasil, foi marcado por uma ideologia do trabalho que pressupôs uma espécie de classificação moral dos trabalhadores. Os “bons” tinham que obedecer a ordem e hierarquia social. Em um nível inferior estavam os considerados insubordinados, ociosos, vadios; classes perigosas que deveriam ser domesticadas em razão da ordem e do progresso da sociedade republicana. Nesta perspectiva, situa-se a aplicação de penalidades, inseridas na composição do aparato social, jurídico, político e ideológico, que tinha como finalidade normatizar e regular o comportamento do trabalhador assalariado. Analisar essa particularidade nos regulamentos da Fiocruz, pode colaborar para compreender aspectos que podem permanecer ao observamos os atuais trabalhadores técnicos da saúde de uma maneira geral: expostos a mecanismos de controle e subordinação de seus saberes e práticas, incidindo sobre as condições e jornadas de trabalho, situações de assédio moral e adoecimento.
Referências BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 8ª edição, São Paulo, Brasiliense, 2012.
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim. O cotidiano dos trabalhadores do Rio de Janeiro da belle époque. São Paulo. Brasiliense, 1986.
REIS, Renata. A “grande família” do Instituto Oswaldo Cruz: a contribuição dos trabalhadores auxiliares dos cientistas no início do século XX. 2xxf. Tese de Doutorado em Educação – Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal Fluminense, 2018.
|