49330 - APOIO MATRICIAL INTERSETORIAL: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE A IMPORT NCIA DO CUIDADO AOS TRABALHADORES QUE LIDAM COM A VIOLÊNCIA AUGUSTO MENDES DE SANTI - UNICAMP, GABRIELA DIAS DEMASI - UNICAMP, ANA LUISA DE MORAES SOMBINI - UNICAMP, JULIA NACHLE - UNICAMP, GIOVANA PELLATTI D‘LOPES - UNICAMP, ROSANA TERESA ONOCKO CAMPOS - UNICAMP
Contextualização
A influência da conjuntura sociopolítica permeada pela lógica capitalista nos processos de trabalho na saúde implica na necessidade da criação de dispositivos que possam dar suporte aos trabalhadores. Se por um lado, os usuários dos serviços estão com baixo acesso aos direitos básicos, os trabalhadores estão sofrendo também com as consequências. Os cotidianos de trabalho vêm sendo permeados pelas situações de violência, sendo este um fato que pode vir a ser bastante adoecedor. Como proposta, a partir de uma pesquisa de implementação, foi criado um arranjo no intuito de ofertar um espaço de acolhimento, não só aos usuários, mas também aos trabalhadores. A Rede de Apoio e Acompanhamento às Situações de Exposição a Violência (RASEV) surge como solicitação dos próprios trabalhadores a partir da sua participação no Comitê Gestor de Pesquisa. É um espaço que tem como proposta a realização de apoio matricial intersetorial e educação permanente para profissionais dos diferentes setores envolvidos no cuidado do usuário. Entende-se que o investimento no cuidado aos trabalhadores pode proporcionar efeitos no cuidado ao usuário, logo, por meio da construção coletiva foi proposta a criação de um espaço no qual as práticas de trabalho pudessem ser expostas e discutidas, possibilitando a integração de um trabalho fragmentado e estimulando a capacidade reflexiva dos profissionais.
Descrição da Experiência
A RASEV foi construída como parte de uma pesquisa de implementação de um serviço público de psicanálise e matriciamento para situações de violência (Liame) a partir da participação de trabalhadores da área da Saúde e da Assistência Social. Atualmente, tem dois pilares de funcionamento. Um deles é a Roda RASEV, que é o momento de apoio matricial intersetorial para trabalhadores que lidam com o tema da violência. Ela acontece na Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP e é entendida como um espaço de acolhimento, discussão de casos e construções coletivas de saberes. Cada ciclo da Roda conta com oito encontros, que ocorrem quinzenalmente, com duração de duas horas. Em um primeiro momento, todos os trabalhadores se unem para que seja construída de forma coletiva a escolha dos temas que serão tratados naquele ciclo. As rodas contam com trabalhadores dos serviços e com seis matriciadores para suporte nesses momentos. Em cada um dos encontros, é realizada uma exposição pelos matriciadores sobre os temas escolhidos como proposta de Educação Permanente. Em seguida, os presentes são divididos em Mini Rodas para que seja possível discutir tal tema, por meio de discussão de algum caso, seja ele institucional ou não. Ao final, retornamos à grande roda para exposição ao coletivo do que foi discutido em cada mini roda, sempre considerando e garantindo o sigilo de cada um desses espaços.
Objetivo e período de Realização
Relatar a experiência num serviço público de apoio matricial e educação permanente na temática da violência; Analisar criticamente o mais recente ciclo da Roda RASEV. Realizado de dezembro de 2023 a maio de 2024.
Resultados
Participaram do ciclo 54 trabalhadores das diferentes complexidades da saúde e da assistência social. Os temas elencados pelos participantes envolveram os efeitos da violência, bem como a escuta de vítimas diretas ou indiretas. Também se relacionaram a estratégias de prevenção e proteção voltadas a populações vulnerabilizadas. Violência, Estado e instituições foram outros temas debatidos. As reflexões dos grupos foram norteadas pela construção do caso clínico e também pela pergunta disparadora apresentada no primeiro momento do encontro. Observou-se que os trabalhadores, no decorrer das semanas, passaram a fazer contato entre si, possibilitando trocas em termos de território, dispositivos da rede e parcerias para o cuidado compartilhado de casos.
Aprendizado e Análise Crítica
A fragmentação gerada pela violência e os continentes esburacados que nela estão presentes demandam um cuidado realizado em rede como forma de remalhar e sustentar os vínculos rompidos. A oferta de espaços para compartilhamento e trocas, considerando um tempo de organização que se diferencia das rotinas sobrecarregadas, pode oferecer fortalecimento para a criação de uma rede mais sólida, a qual possibilita um olhar ampliado e compartilhado dos processos de cuidado e de trabalho. O apoio matricial enquanto prática exclusiva da saúde mostra suas limitações, já que a intersetorialidade (saúde, educação e assistência social) vem sendo cada vez mais discutida como requisito necessário para o cuidado dos usuários dos serviços, principalmente para aqueles que foram e estão expostos a violência e tem seus direitos violados. Esse fortalecimento de rede proporciona não só um cuidado mais aprimorado para os usuários, mas também como fonte de suporte e sustentação para os trabalhadores entre si.
Referências
BENGHOZI, P.. Malhagem, Filiação e Afiliação. Psicanálise dos vínculos: casal, família, grupo, instituição e campo social. 1ed. Editora Vetor, São Paulo, 2010.
BROIDE, J. Psicanálise: nas situações sociais críticas. Violência, juventude e periferia: uma abordagem grupal. 1a Reimpressão. Curitiba: Juruá, 2010.
CASTRO, C. Apoio matricial no SUS Campinas: a construção de Práticas compartilhadas. In: CAMPOS et al [org]. Investigação sobre cogestão, apoio institucional e apoio matricial no SUS. 1.ed. Ed. Hucitec: Fapesp. São Paulo, 2017, p.112-140.
ONOCKO CAMPOS, R. Psicanálise e Saúde Coletiva: Interfaces. 2 ed. São Paulo; Hucitec, 2014
PIVA, A. Abuso sexual: traumatismo e catástrofe psíquica. Rev. da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre, vol. 13., n. 2, 2011.
Fonte(s) de financiamento: FAPESP
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