Comunicação Coordenada

04/11/2024 - 13:30 - 15:00
CC8.3 - Força de trabalho para o SUS

51994 - DIMENSÕES DO TRABALHO EM SAÚDE E INTENSIFICAÇÃO DE PENOSIDADES A PARTIR DA PANDEMIA DE COVID-19
MONICA VIEIRA - EPSJV FIOCRUZ, ROBERTA DE CARVALHO COROA - CENTRE DE RECHERCHE EN SANTÉ DURABLE/UNIVERSITÉ LAVAL, MARIA RUTH DOS SANTOS - EPSJV FIOCRUZ, ELIANE VIANNA - ENSP FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
Este resumo é resultado de pesquisa realizada entre 2020 e 2023 com trabalhadores que atuaram na atenção básica e assistência hospitalar na pandemia de Covid-19 no Brasil. Trata da identificação e análise de diferentes dimensões do trabalho em saúde que sofreram intensificação de penosidades. Parte de uma perspectiva que compreende a precarização do trabalho como fenômeno sociológico e psicossocial e, portanto, afirma que não somente o trabalho está em crise, mas também estão os trabalhadores. Esses têm experimentado sofrimentos cada vez mais latentes, que assumem contornos de um fenômeno estrutural, evidente ao observarmos o aumento progressivo do quantitativo de trabalhadores afastados por questões associadas a saúde mental. Ocorre um desbotamento dos traços mais estruturantes do trabalho, no sentido de atividade relacional e de criação da vida e desmonte de seus mecanismos de proteção que deixam os trabalhadores vulneráveis. Buscamos compreender essas dimensões tendo como perspectiva teórica o conceito de penosidades da socióloga Danièle Linhart. Essa noção é intrínseca a contextos sociais mais amplos, em que a atividade laboral passa a ser associada à ideia de mal-estar e de dano psicológico ao trabalhador. São penosidades as restrições impostas aos indivíduos que se constituem em “dificuldades que ressoam em todas as dimensões da existência” (Linhart, 2011, p. 150).

Objetivos
Analisar em que medida a pandemia repercutiu nas penosidades associadas ao trabalho em saúde; identificar novas dimensões do trabalho em saúde; compreender a intensificação das penosidades na percepção de trabalhadores de saúde que atuaram na pandemia

Metodologia
Análise qualitativa de entrevistas e rodas de conversa realizadas com 35 trabalhadores no “Respiro - Projeto de Investigação e Apoio aos trabalhadores da saúde na pandemia: (co)movendo a vida entre (ultra)penosidades e (re)existências”, financiado entre os anos de 2020 e 2022 pelo Programa Inova – Edital Geração de conhecimento Covid-19, da Fundação Oswaldo Cruz. Os roteiros consistiram em instrumentos de análise sensíveis permitindo a elaboração de relatos sobre situações e problemas específicos e que demandam do pesquisador um trabalho sistemático de cartografia da situação (Bolstanski & Thévenot, 1987; Boltanski, 1990; 2006; Corôa, 2021). Na análise do material, identificamos sete dimensões consideradas pertinentes para a compreensão da complexidade do campo e seguem, portanto, como dimensões estruturantes do trabalho em saúde. As categorias profissionais retratadas compõem um espectro bem amplo de trabalhadores de saúde. Procedemos ao tratamento e interpretação do material empírico coletado, nos permitindo escutar e acolher os relatos originais dos trabalhadores de saúde e aproximá-los do conceito de penosidades, expressando os sentimentos, mediados pelos fenômenos associados

Resultados e Discussão
Foram identificadas sete dimensões que se intercruzam e são atravessadas pelas penosidades. São consideradas estruturantes para a formulação de políticas e ações de gestão do trabalho e da educação na saúde: sentidos e valores; política e gestão; condições de trabalho; saberes e práticas; experiências e trajetórias; saúde do trabalhador e cuidado de si, do outro e do mundo. Impressões sobre o modelo de sociedade atual e as formas como os modos de existência contemporâneos afetam a vida e o trabalho. Sentimentos de incerteza e pessimismo em relação ao futuro e à construção de um projeto de trabalho. Políticas sociais regressivas que perpassam modalidades precárias de incorporação e gestão; salários; jornadas; multiempregos. Organização e relações de trabalho que geram constrangimentos ligados a falta de recursos e de medidas de proteção ao trabalho, estigmatização, preconceito, exclusão e rejeição. Desigualdades ocupacionais que geram disputas, hierarquias, segmentação. Dilemas associados aos saberes e práticas para realização de atividades. Falta de delimitação do processo e da natureza do trabalho, falta de reconhecimento social da qualificação exigida para o exercício do trabalho. Ruídos para a construção da experiência no trabalho e das trajetórias ocupacionais. Representações simbólicas da ocupação, as memórias e as aspirações dos trabalhadores.Exigências do trabalho que geram desgastes e adoecimentos. Intensificação e sobrecarga física dos trabalhadores. Falta de tempo, condições e recursos para práticas de cuidado pessoais e coletivas. Banalização e invisibilização das contradições e sofrimentos sociais. O borramento de fronteiras entre tempo de trabalho e tempo de vida pessoal ocasiona o sentimento de sobrecarga e de “ter que fazer algo”.

Conclusões/Considerações finais
O estudo enfatiza a pertinência de ampliação das dimensões que merecem ser compreendidas para permitir análises mais aprofundadas acerca do trabalho em saúde. A complexidade crescente atribuída ao processo socialmente construído de “fazer-se” trabalhador da saúde mescla condições objetivas de existência, experiências e aspirações. Os resultados ressaltam que esse processo é multideterminado, passa pelo imbricamento das múltiplas dimensões das penosidades do trabalho em saúde e permite uma fluidez das fronteiras entre os relatos e fenômenos aqui foram organizados a partir dessas categorias. O trabalho segue central para a organização de sistemas de saúde e a produção do cuidado e é necessário refletir coletivamente sobre estratégias e alternativas comuns que possam auxiliar estudos e intervenções no campo da gestão do trabalho e educação na saúde. Precisamos estreitar relações institucionais e seguir aprofundando coletivamente a formulação de políticas de saúde dos trabalhadores.

Referências
Boltanski, L. (1990). L’amour et la justice comme compétences: trois essais de sociologie de l’action. Paris: Métailié.
Boltanski, L. (2016). Sociologia crítica e sociologia da crítica. In: Vandenberghe, F.; Véran, J.-F. (Orgs). Além do habitus: teoria social pós-bourdieusiana. Rio de Janeiro: 7Letras. p.129-154.
Corôa, R. (2021). Do sistema à sistemática: a experiência da precariedade na construção de itinerários terapêuticos no SUS. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
Corôa, R. (2015). O trabalho no Sistema Único de Saúde: A construção da qualificação dos técnicos de saúde. 2015. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Antropologia), Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
Linhart, D. (2011). Entrevista: Danièle Linhart. Trab. educ. saúde (Online) [online]. vol.9, n.1, pp. 149-160.

Fonte(s) de financiamento: Programa INOVA Edital Geração de Conhecimento Covid-19 FIOCRUZ


Realização:



Patrocínio:



Apoio: