51256 - A ASCENSÃO DAS TEORIAS GERENCIALISTAS E O ECLIPSE HISTÓRICO DA AGENDA DE PLANO DE CARREIRAS NO SUS RONALDO TEODORO - UERJ, THAIS VIDAURRE - UERJ
Apresentação/Introdução A relação entre os direitos públicos do trabalho e da saúde, tornou-se uma agenda de máxima urgência histórica. São muitos os estudos que vêm sistematizando informações sobre a crescente degradação do trabalho na saúde pública (Machado et al., 2020), sendo esta uma realidade que se estende inclusive à categoria médica (Levi et al., 2022).
A crescente degradação do trabalho tem implicações sistêmicas para o SUS. No centro desses desafios se encontra a instabilidade do vínculo, cuja principal adversidade vem a ser a alta rotatividade no emprego e a descontinuidade e desestabilização dos serviços. Essa condição repõe limites e impasses a consecução de várias agendas da saúde coletiva, dos quais destacaremos (i) a fragmentação da rede assistência à saúde, (ii) a municipalização dos vínculos de trabalho e a sua pressão orçamentária, (iii) e a expansão do hibridismo público-privado na gestão do sistema.
A compreensão desse cenário nos permite formular o entendimento de que os direitos do trabalho se tornaram um ponto cego na Reforma Sanitária Brasileira. Para compreender essa condição é preciso problematizar como a agenda de Plano de Carreira, Cargos e Salários presente nas lutas da Reforma nos anos 1990, foi substituído pelas teorias gerencialistas, que têm as terceirizações de vínculos trabalhistas como importante premissa de gestão.
Objetivos O objetivo central deste trabalho consiste em localizar como o paradigma gerencial se tornou central ao pensamento gestor na área da saúde coletiva. E a partir dessa condição, problematizar os limites atuais de coesão política entre gestores e trabalhadores em torno de um programa estruturado de construção do SUS.
É parte desse objetivo discutir a atualidade do programa de Carreiras para os trabalhadores do SUS.
Metodologia Trata-se de um trabalho teórico analítico, que teve como estratégia de pesquisa a analise documental e a recuperação da literatura da saúde coletiva a partir de uma perspectiva da formação histórica da agenda do trabalho, organizando-a em dois caminhos: (i) a expansão do paradigma gerencialista no pensamento gestor da saúde pública; (ii) e a perda de centralidade histórica da proposta de Plano de Cargos, Carreira e Salário do programa da Reforma Sanitária.
Para evidenciar essa transformação histórica no campo da saúde coletiva também foram identificadas e analisadas fontes documentais que registram o lugar dos direitos do trabalho no processo de consolidação do Sistema Único de Saúde nos anos de 1990 e 2000.
Resultados e Discussão A terceirização massiva dos vínculos de trabalho por meio do paradigma gerencial deve ser considerada como verdadeiras reformas trabalhistas no interior da administração pública. Esse processo, no entanto, só se viabilizou historicamente por se tornar o pensamento mediano da gestão em saúde pública.
Para Dowbor e Houtzager (2014), o papel dos profissionais de gestão na expansão das políticas públicas é central para compreender a influência da new public manegement no Brasil. A crescente relevância desse segmento na definição das políticas pari passu ao distanciamento dos trabalhadores no debate sobre os processos de trabalho é parte, inclusive, dos próprios objetivos do paradigma gerencialista. Nesse trajeto, a construção da gestão torna-se um reduto de técnicos, acadêmicos, não raro, orientados por programas de apoio e qualificação definidos por contratos junto à iniciativa privada do setor.
Além de cultivar conscientemente um distanciamento entre gestores e trabalhadores, outro aspecto central ao pensamento gerencial foi a sua oposição à tradição do planejamento público presente na administração estatal. A ideologia de que os métodos e o ethos empresarial seriam superiores à ‘pesada’ burocracia pública, trás em seu centro a incessante desqualificação dos servidores. Esse aspecto do paradigma gerencialista não apenas nos ajuda a compreender a defesa dos vínculos flexíveis terceirizados, como esclarece uma tese fundante desse campo: a formulação de que os direitos do trabalho seriam princípios corporativos, e, enquanto tal, profundamente nocivos à realização do interesse público.
Essa formulação liberal conservadora, é decisiva para compreender as tensões atuais entre as lutas trabalhistas no SUS por Plano de Carreira e os ideais de expansão da gestão.
Conclusões/Considerações finais A expansão da assistência pública à saúde a nível nacional nas últimas três décadas se fez acompanhar por uma fragmentação das contratações e da superexploração do trabalho no SUS.
Essa compreensão nos permite perceber que as teorias gerencialistas ocuparam o centro do debate sobre o trabalho no SUS, lateralizando a agenda dos Planos de Carreira, centrais nas lutas dos anos 1990, criando duas tendencias: (i) a ampliação da contratação de força de trabalho por meio da CLT e contratos simplificados, com as Fundações Estatais; (ii) o fomento de parcerias público-privadas como as OSSs, as OSCIPS, e mais recentemente as SSAs.
A persistência e a difusão desse cenário em âmbito nacional foram acompanhadas pelo fortalecimento de uma condição que nos parece de central relevância para os próximos passos da Reforma Sanitária Brasileira: superar a crescente tensão entre a agenda dos direitos do trabalho e a perspectiva dos gestores quanto à realização dos direitos públicos da saúde.
Referências Dowbor M, Houtzager PP. The Role of Professionals in Policy Reform: Cases from the City Level, São Paulo. Latin American Politics and Society. 2014;56(3):141-162. doi:10.1111/j.1548-2456.2014.00240.x
Machado MH, Koster I, Aguiar Filho W, Wermelinger MC de MW, Freire NP, Pereira EJ. Mercado de trabalho e processos regulatórios – a Enfermagem no Brasil. Ciênc saúde coletiva [Internet]. 2020 25(1)):101–12. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27552019
Levi, M. L., Sousa, J., Almeida, C. J., Matsumoto, K., Sussai, S., Andrietta, L., & Scheffer, M. C. Médicos e terceirização: percepções de trabalhadores e gestores sobre as transformações recentes no mercado de trabalho. Trabalho, Educação E Saúde, 20, 2020; e00846199. https://doi.org/10.1590/1981-7746-ojs846
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