50952 - REPERCUSSÕES DA IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA PREVINE BRASIL NO TRABALHO DA GESTÃO DA APS EM MUNICÍPIOS DA MACRORREGIÃO NORTE DO PARANÁ VIVIANE BARREIRA GRANADO DA SILVA - UEL, BRÍGIDA GIMENEZ CARVALHO - UEL, JOÃO FELIPE MARQUES DA SILVA - UEL
Apresentação/Introdução São reconhecidos os avanços na construção do Sistema único de Saúde (SUS), porém os desafios decorrentes do subfinanciamento comprometem sua consolidação. Além disso, as mudanças nas regras para o financiamento da Atenção Primária à Saúde (APS) podem comprometer ainda mais esse cenário.
Em 2019, foi implantado um novo modelo de financiamento para a APS por meio do Programa Previne Brasil (PPB), substituindo o modelo de transferências intergovernamentais baseadas no número de habitantes, por uma avaliação que considera o número de pessoas cadastradas e os resultados alcançados em indicadores selecionados (BRASIL, 2019). Essas mudanças puderam resultar em possíveis perdas de recursos para a APS e em uma maior focalização e seletividade dos serviços. De acordo com Giovanella e colaboradores (2020), esse novo modelo de financiamento não apenas prejudicou a responsabilidade constitucional do SUS com relação à segurança sanitária e à prevenção de riscos, ao enfatizar o cuidado ao público "cadastrado", mas revelou a ruptura de uma APS abrangente para uma APS seletiva e focalizada.
Na perspectiva que os gestores de saúde enfrentaram limitações e tiveram necessidade de alterar seus processos de trabalho para a implantação do PPB, definiu-se como pergunta norteadora da pesquisa: Quais alterações a implantação do PPB produziu na organização do trabalho de equipes gestoras na APS?
Objetivos Este estudo tem como objetivo analisar as repercussões no trabalho das equipes gestoras da saúde decorrentes da implantação do Programa Previne Brasil (PPB).
Metodologia Pesquisa qualitativa, realizada em nove municípios da macrorregião norte, sendo sete deles de pequeno porte (menos de 20 mil habitantes), um de médio porte (entre 100 mil e 200 mil) e um de grande porte populacional (mais de 500 mil habitantes), selecionados intencionalmente, a partir de indicadores de financiamento da APS (despesa municipal per capita em APS e participação das transferências por emendas para a APS), visando contemplar a diversidade da região. Foram realizadas entrevistas, a partir de roteiro semiestruturado, com nove gestores e nove coordenadores da APS, nas secretarias de saúde dos municípios pesquisados, no período de julho a agosto de 2022. As entrevistas foram gravadas e transcritas e nos resultados foi realizada a Análise de Discurso (Orlandi, 2020). O presente estudo integra uma pesquisa multicêntrica, denominada “Mudanças nas regras de transferência de recursos federais do Sistema Único de Saúde: implicações e desafios para o financiamento e a organização da Atenção Primária à Saúde no Brasil”, e foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa da ENSP/FIOCRUZ, CAAE: 30675420.6.0000.5240.
Resultados e Discussão Os principais achados associados às repercussões no processo de trabalho da equipe gestora da APS, estão relacionados à implantação do prontuário eletrônico e ao monitoramento dos indicadores de desempenho.
Para a maioria dos entrevistados, houve dificuldade para a implantação do prontuário eletrônico, por falta de apoio técnico para a implantação do sistema e-SUS, o que levou muitos municípios a adquirirem sistema privado, pelo fato dessas empresas oferecerem treinamento para as equipes e auxiliarem na emissão de relatórios (cadastros e metas dos indicadores), como também na transmissão dos dados para o e-SUS.
A ausência de suporte técnico pelo MS e Secretarias Estaduais de Saúde, tem proporcionado a abertura para interesses mercantis e privatistas no SUS, com a venda de software e assessoria para a implantação e funcionamento de programas de gerenciamento de dados.
O processo de monitoramento e avaliação dos indicadores também se mostrou pouco estruturado. Nos municípios que utilizam sistema privado, os relatórios são mensalmente emitidos pelo sistema. Já nos que usam o sistema público e-SUS, é realizado quadrimestralmente, através de relatórios do sistema e-Gestor e outros instrumentos formulados pela equipe gestora, como planilhas de Excel. Na maioria dos municípios o monitoramento é realizado por integrantes da equipe gestora. O monitoramento dos gestores tinha foco no atingimento de metas do PPB e sugere uma APS cujo processo de trabalho é orientado com base no gerencialismo. (ANDRADE COUTO; MENDES; CARNUT, 2023). Além disso, a cobrança para o atingimento de indicadores pode também fazer com que as organizações, tendam a recorrer mais a estratégias de manipulação de indicadores para o alcance dos resultados com vistas a não perder recursos (VAN DOREEN, 2008).
Conclusões/Considerações finais A falta de suporte técnico para o sistema e-SUS levou os municípios a adotarem sistemas privados, o que, além de acarretar custos adicionais, provocou à subutilização do e-SUS. Evidencia-se que a ausência de suporte técnico aos municípios favoreceu o mercado privado na APS. A atuação do setor privado também proporciona um acesso detalhado às informações estratégicas da APS e de seus usuários, o que pode ser utilizado em benefício do setor.
Além disso, a remuneração baseada no desempenho impulsionou o aumento da produtividade para alcançar metas específicas, e essa abordagem pode resultar na concentração exclusiva das equipes nos problemas de saúde avaliados pelas métricas, negligenciando outros aspectos no cuidado da saúde da comunidade.
Assim, destaca-se a necessidade premente de estudos que avaliem o impacto desses indicadores nos resultados de saúde, enfatizando como as práticas e abordagens dessa avaliação podem influenciar diretamente na morbimortalidade da população.
Referências BRASIL. Portaria GM/MS nº 2979 de 12 de novembro de 2019. Brasília, DF, 2019.
GIOVANELLA, Ligia; FRANCO, Cassiano Mendes; ALMEIDA, Patty Fidelis de. Política Nacional de Atenção Básica: para onde vamos? Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. 4, p. 1475–1482, abr. 2020. Disponível em:
ANDRADE COUTO, Joaquim Gabriel; MENDES, Aquilas; CARNUT, Leonardo. Revisão crítica dos argumentos “oficiais” da nova alocação de recursos federais para Atenção Primária. JMPHC | Journal of Management & Primary Health Care | ISSN 2179-6750, v. 15, p. e009, 26 set. 2023. Disponível em:
VAN DOOREN, W. (2008). Performance indicators: a wolf in sheep’s clothing? Changing Educational Accountability in Europe, International Conference, 24 e 25 de junho 2008 (p. 16). Berlin, Germany: Social Science Research Center.
Fonte(s) de financiamento: Fortalecimento da Atenção Primária em Saúde no brasil – PMA 2019 (Fiocruz/VPPCb; processo 25380.101539/2019-05).
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