Comunicação Coordenada

05/11/2024 - 13:30 - 15:00
CC5.3 - Limites e potencialidades da participação social no SUS

50382 - PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS NO SUS: UMA ANÁLISE COM MÉTODOS MISTOS DOS PRIMEIROS DEZ ANOS DE ATUAÇÃO DA CONITEC
ANA CAROLINA DE FREITAS LOPES - USP, PATRÍCIA COELHO DE SOÁREZ - USP


Apresentação/Introdução
A Constituição Brasileira está orientada por princípios direcionados a uma democracia participativa (1). Na saúde, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), foram instituídas instâncias colegiadas de conselhos e conferências de saúde na gestão do sistema. A participação social também foi instituída como parte obrigatória do processo de decisão sobre quais tecnologias serão oferecidas pelo sistema desde a Lei nº 12.401 de 2011. Esta lei, que modificou diretamente a Lei Orgânica do SUS, Lei nº 8.080 de 1990, criou a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), instituiu a observação de critérios técnicos e científicos e a realização de consulta pública em todas as decisões sobre incorporação, exclusão ou alteração de tecnologias pelo SUS. Apesar dos avanços legais, diversos grupos e setores da sociedade apontam críticas ao processo de participação social conduzido pela Conitec, instituição responsável por assessorar o Ministério da Saúde nas decisões de cobertura do SUS (2). A participação social nas decisões de incorporação de tecnologias no SUS foi investigada em diferentes perspectivas e períodos (3,4). Entretanto, não foram identificadas iniciativas que buscassem compreender de forma abrangente e integrada todo o período da primeira década de atuação da Conitec.

Objetivos
Compreender a interrelação entre participação social e decisões de incorporação de tecnologias no SUS, em âmbito nacional, no período entre 2012 e 2021, incluindo caracterizar e discutir os espaços de participação social e perfil de usuários, identificar os fatores associados à alteração da recomendação de incorporação de tecnologias após consulta pública e compreender se e como as experiências de pacientes e familiares foram utilizadas como subsídios para a recomendação final.

Metodologia
Foi utilizada metodologia de métodos mistos, com desenho sequencial explanatório (5). Foram consultados documentos legais, relatórios técnicos e simplificados, planilhas anonimizadas de consultas públicas, atas e gravações de reuniões da Conitec. Foi conduzida análise descritiva para a caracterização dos espaços de participação social e dos participantes de todas as consultas públicas de incorporação de medicamentos, produtos ou procedimentos, conduzidas no período. Foi construído modelo de regressão logística múltipla para a identificação dos fatores associados à alteração da recomendação da Conitec. A análise qualitativa para a compreensão de como as contribuições de pacientes e familiares foram utilizadas como subsídios para a recomendação final foi apoiada na metodologia da Grounded Theory (6). Os grupos em comparação foram selecionados de forma aleatorizada e estratificada por: alteração ou não da recomendação, maior ou menor participação de pacientes e familiares, e período. A discussão integrada foi conduzida a partir do referencial teórico de Rowe & Frewer (2000) (7) e dos preceitos da democracia participativa para avaliação de processos de participação social (1).


Resultados e Discussão
Os espaços formais de participação social identificados foram: demandante inicial, representação no colegiado deliberativo, consulta pública, audiência pública e ouvidoria. A consulta pública (CP) destacou-se como o principal mecanismo utilizado, diante da frequência de realização e maior volume de contribuições enviadas por esse canal. Foram identificados 479 relatórios técnicos, dos quais 264 (55%) tiveram recomendação final favorável à oferta da tecnologia no SUS. Foi conduzida CP em 400 (83%) processos, nas quais foram enviadas 196.483 contribuições. O maior volume de contribuições foi enviado por pacientes e seus familiares ou representantes (99.082; 50%), do sexo feminino (122.895; 67%), de cor branca (129.165; 71%), na faixa etária entre 25 e 59 anos (145.364; 70%) e das regiões sul e sudeste do país, onde o volume de participação foi ponderado pela população residente de cada região. Em 13% dos processos houve alteração da recomendação da Conitec após CP. Identificou-se que uma maior participação de pacientes e familiares aumentou em quase quatro vezes a chance de alteração da recomendação preliminar (Odds ratio 3,87; IC 95% 1,33 – 13,35; p=0,02), enquanto os demais fatores (tipo de tecnologia, demandante, indicação clínica e volume de participação dos outros atores) não apresentaram associação significativa com a alteração da recomendação. Entretanto, as experiências de pacientes e familiares não foram incluídas dentre as justificativas para a recomendação final em nenhum dos casos analisados. Na análise sobre a apresentação das contribuições recebidas durante a CP, a experiência dos pacientes foi apresentada com menos destaque, em termos científicos e não reconhecida como fonte de evidência primária, tanto por técnicos quanto pelo Plenário deliberativo.

Conclusões/Considerações finais
Os resultados apresentados suscitam discussões sobre a latente tensão epistemológica entre a prática da ATS e a inclusão da participação social nos processos decisórios. Observou-se que os processos instituídos não atenderam aos critérios de representatividade, independência, envolvimento precoce, transparência e influência na decisão final. Também não se identificou alinhamento às práticas da democracia participativa. No campo da Saúde Coletiva, o exame dos espaços de participação social, suas características e interrelações com a tomada de decisão coloca-se como interesse público, em especial na incorporação de tecnologias no SUS, cujas decisões impactam a assistência à saúde de toda a população brasileira. Destaca-se a importância do aprimoramento dos espaços disponíveis, de forma mais dialógica, menos vulneráveis a contextos políticos específicos, e visando a construção de um sistema saúde mais equitativo e responsivo às necessidades da população brasileira.

Referências
1.Pateman C. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1992. 157 p.
2.de Soárez PC. Health Technology Assessment: informed by science or in the service of politics? Rev Saude Publica. 2021;55:1–6.
3.Silva AS, et al. Social participation in the health technology incorporation process into Unified Health System. Rev Saude Publica. 2019;53(109).
4.Lopes SGP, Luiza VL, da Silva RM. Reversal of the recommendations issued by the National Commission for the Incorporation of Technologies in SUS after Public Consultations. Ciencia e Saude Coletiva. 2023;28(2):561–73.
5.Creswell JW, Plano Clark VL. Designing and Conducting Mixed Methods Research. 3a edição. SAGE Publications; 2018.
6.Charmaz K. Constructing Grounded Theory. Thousand Oaks, CA: Sage Publications, Inc; 2006. 224 p.
7.Rowe G, Frewer LJ. Public Participation Methods: a framework for evaluation. Sci Technol Human Values. 2000;25(3):3–29.

Fonte(s) de financiamento: CNPq (bolsa de doutorado)


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