53457 - PERCORRENDO A REDE COM QUEM PRECISA: ITINERÁRIOS DE ADOLESCENTES EM BUSCA DE CUIDADO EM SAÚDE MENTAL EM UM MUNICÍPIO PAULISTA DE MÉDIO PORTE ROSÂNGELA SANTOS OLIVEIRA - UNICAMP, ROSANA TERESA ONOCKO CAMPOS - UNICAMP
Apresentação/Introdução O cuidado de crianças e adolescentes esteve relegado às instituições de caráter filantrópico e tutelar historicamente. Aponta-se uma inserção tardia no setor saúde bem como no debate da Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB) quanto à Política de Saúde Mental Infanto-Juvenil (SMIJ) acarretando também em uma lacuna assistencial histórica (Couto, Duarte e Delgado, 2008). De tal modo, que o planejamento e construção de políticas públicas para esta população, em acordo com os princípios do SUS e do ECA, também são recentes. Destaca-se a importância de uma rede de atenção psicossocial de base territorial, na qual os Caps infanto-juvenis são tidos serviços estratégicos na organização de cuidado e a intersetorialidade como um princípio fundamental.
Trata-se de um relato de pesquisa qualitativa por meio do desenho dos itinerários terapêuticos de adolescentes que buscaram cuidado em saúde mental. Levando em conta a especificidade da população estudada, optamos por um estudo investigativo que levasse em conta a escuta dos próprios adolescentes, na direção do que indica Rossi et al.(2019)
Os Itinerários Terapêuticos podem ser utilizados para pensar indicadores de acesso à rede, resolutividade da assistência em saúde e também compreender a percepção sobre a experiência de cuidado, incluindo as redes não convencionais dos sujeitos entrevistados (Souza e Zambenedetti, 2018).
Objetivos Analisar o itinerário terapêutico de cinco adolescentes na busca por cuidado em saúde mental em uma cidade paulista de médio porte.
Objetivos específicos: 1) Investigar quais pontos da rede formal e informal oferecem cuidado em saúde mental;
2) Identificar os aspectos facilitadores e dificultadores de acesso e resolução no cuidado; 3) Contribuir para reflexão e qualificação das políticas públicas e práticas profissionais.
Metodologia Foram realizadas cinco entrevistas abertas e em profundidade com adolescentes entre 14 e 17 anos em acompanhamento em saúde mental um ambulatório do município norteados por um roteiro prévio.
As entrevistas foram gravadas e após a transcrição e leitura destas, realizamos a confecção da representação visual dos itinerários terapêuticos narrados pelos entrevistados - Mapa de cuidado (Cecílio et al., 2014).
Para análise das entrevistas, utilizamos a abordagem hermenêutica crítica de Paul Ricoeur através da perspectiva de construção de narrativas de Onocko Campos (Ricoeur, 1990 apud Onocko-Campos, 2013; Onocko-Campos, 2011), retomando as perguntas realizadas no Roteiro Norteador de Entrevista em Profundidade, fazendo emergir os núcleos argumentais.
No material coletado buscou-se assim, naquilo que foi vivido e compartilhado com a pesquisadora, as respostas aos questionamentos da pesquisa, sem se fixar, entretanto, no sequenciamento dos eventos ou nas formas lexicais.
A Pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Unicamp: CAAE - 00827918.8.0000.5404 e familiares e adolescentes tomaram ciência e assinaram respectivamente o TCLE e TALE.
Resultados e Discussão Os adolescentes apresentaram concepção ampliada de saúde mental, ainda assim, atravessadas pelo discurso biomédico em suas experiências do sofrimento psíquico e também do processo de adolescer, marcadas pelo contexto da pandemia e pós-pandemia de covid-19.
Além disso, foram identificados acesso a diversos pontos do sistema de cuidado, incluindo, redes não-convencionais: a família apresentou-se como orientadora na busca por cuidados em saúde mental dos adolescentes, mas não esteve incluída como parte do cuidado. Quanto ao sistema de saúde formal, notou-se fragilidades quanto à vinculação, integralidade e resolutividade em saúde mental (Bandeira e Onocko Campos, 2021), além da ausência de articulações intersetoriais. O cuidado ofertado pelo ambulatório do município foi avaliado pelos adolescentes como insuficiente - através de atendimentos individualizados com baixa frequência.
Na avaliação dos próprios adolescentes, a organização do processo de trabalho no Ambulatório Geral dificulta o acesso de casos com necessidade de acolhimento, avaliação e atendimento em tempo oportuno.
A medicação esteve como primeira oferta de cuidado nos serviços de saúde e central na narrativa dos adolescentes sobre expectativas terapêuticas, todavia, estes ofertaram pistas de cuidado para além das tradicionais ofertas formais de saúde.
Por outro lado, os adolescentes apresentaram pistas importantes sobre as possibilidades de cuidados a serem ofertados aos adolescentes. Reconhecem a importância do acolhimento e de profissionais capacitados para lidar com essa população, para além disso, demonstram que espaços grupais, encontros com outros adolescentes, variedade de atividades são fundamentais para saúde mental, características essas afinadas com o modelo da atenção psicossocial (Costa-Rosa, 2000).
Conclusões/Considerações finais Os adolescentes entrevistados no estudo correspondem ao perfil principal de adolescentes que demandam cuidado tanto nos pontos de urgência e emergência quanto no ambulatório do município – principalmente quadros de ansiedade. Dessa forma, não foi possível investigar o itinerário terapêutico de adolescentes em crise de saúde mental grave ou que realizavam uso problemático de álcool e outras drogas. O município campo desta pesquisa, possui indicação para implementação de CAPS infanto-juvenil (pop. acima de 70mil), entretanto, até o momento do estudo não contava com projeto para a implementação, tendo em vista a avaliação dos adolescentes quanto ao ambulatório, questionamos o lugar desse dispositivo na rede de saúde mental para o cuidado da população infanto-juvenil.
Os dados encontrados neste estudo apesar de não poderem ser generalizados, podem elencar indicativos para construção e integração de políticas públicas e serviços em municípios com contextos semelhantes ao descrito.
Referências Cecílio LCO, Carpinheiro G, Andreazza R, Souza ALM, Andrade MGG, Santiago SM, et al. O agir leigo e o cuidado em saúde: a produção de mapas de cuidado. Cad Saúde Pública. 2014;30(7).
Couto MCV, Duarte CS, Delgado PGG. A Saúde Mental Infantil na Saúde Pública Brasileira: situação atual e desafios. Braz. J. Psychiatry. 2008;30(4).
Onocko Campos RT. Fale com eles! O trabalho interpretativo e a produção de consenso na pesquisa qualitativa em saúde: inovações a partir de desenhos participativos. Physis. 2011;21(4).
Rossi LM, Marcolino TQ, Speranza M, Cid MFB. Crise e saúde mental na adolescência: a história sob a ótica de quem vive. Cad Saúde Pública. 2019;35(3).
Souza FF, Zambenedetti G. Percursos de cuidado: pistas sobre itinerários terapêuticos em saúde mental. Tempus, Actas Saúde Colet.. 2018;11(4).
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