Comunicação Coordenada

04/11/2024 - 13:30 - 15:00
CC4.2 - Atenção Primária à saúde (1)

51024 - INSUBMISSAS NARRATIVAS DA ATIVIDADE: AUTOCONFRONTAÇÕES NO TRABALHO DE AGENTES COMUNITÁRIAS DE SAÚDE EM TEMPOS DE PANDEMIA
GABRIELA DE BRITO MARTINS - UFES/FAESA, ANA CLAUDIA PINHEIRO GARCIA - UFES, ANDRÉ DOS SANTOS PIMENTEL - APSI, JEANINE PACHECO MOREIRA BARBOSA - UFES, MANUELLA RIBEIRO LIRA RIQUIERI - UFES, MARCOS VINICIUS DA SILVA CORDEIRO - UFES, MARIA ANGÉLICA CARVALHO ANDRADE - UFES, SHEILA CRISTINA DE SOUZA CRUZ - UFES, THIAGO DIAS SARTI - UFES, RITA DE CASSIA DUARTE LIMA - UFES


Apresentação/Introdução
Este estudo propõe uma convocação ao arejar dos processos de trabalho em saúde. O interesse pelo “agir em saúde” adentra esse lugar de tensões, de escolhas, de arbitragens, de usos de si por si e pelos outros (SCHWARTZ, 2004; 2010).
Assim, neste estudo, caminhamos num olhar sobre os processos de trabalho de agentes comunitárias de saúde (ACS), que se dão no seu ambiente social, já que uma das premissas para a função é pertencer ao território de atuação. O que se propõe, portanto, é narrar histórias de trabalho que permeiam histórias de vida, inseparáveis em sua interseccionalidade (BIROLI; MIGUEL, 2015).
No contexto de pandemia pela COVID-19, especificamente, demandaram-se diversas mudanças, notadamente as associadas às mudanças na organização do processo de trabalho e no fluxo assistencial da atenção primária, no enfretamento das novas necessidades que emergiram para dar conta no quadro sanitário.
O enfoque deste estudo, portanto, está na experiência vivida e ativa do trabalho, como atividade de transformação que compõe sentidos, desejos e enfrentamentos. A organização do trabalho estabelece regras, normas, procedimentos e protocolos, mas também tem a capacidade de ordenar uma vida em meio ao compartilhamento de fazeres e experiências, acontecimentos vividos, carregados de histórias e invenções cotidianas.


Objetivos
O objetivo do estudo foi construir narrativas de histórias de vida no trabalho de ACS durante a pandemia, a partir da autoconfrontação das situações de trabalho, balizada na aproximação da clínica da atividade, proposta por Clot (2007; 2010) e das escrevivências, de Evaristo (2017).
O intuito é constituir espaços de fala, a fim de discutir sobre a história de trabalho, desafios enfrentados no trabalho e a articulação coletiva das trabalhadoras no enfrentamento e autocuidado durante a pandemia.


Metodologia
Trata-se de um estudo analítico e descritivo das situações de trabalho. Ao debruçar-se sobre o “agir em saúde” sob a ótica de Agentes Comunitárias de Saúde (ACS), num contexto de pandemia pela COVID-19, o percurso metodológico aposta na construção de narrativas e cartas como mobilizador de recursos para a ação e análise do trabalho de agentes comunitárias de saúde na atenção primária.
Participaram do estudo 17 agentes comunitárias de saúde, atuantes num território de saúde situado no município de Vitória, Espírito Santo. As narrativas foram construídas a partir de 6 grupos focais e 6 entrevistas com observação participante, registradas a partir de gravações e cartas escritas pelas participantes, realizadas de 16 de agosto de 2022 a 04 de outubro de 2022.
A análise dos resultados, a partir da discussão de falas e cartas produzidas pelas participantes, constitui-se numa analítica que incita a aproximação das escrevivências (EVARISTO, 2017) das participantes como a autoconfrontação simples e cruzada (CLOT, 2007) dos processos de trabalho de agentes comunitárias de saúde durante a pandemia.


Resultados e Discussão
Ao destacar as especificidades e variabilidades da sua história no trabalho, as participantes convocam para o debate a própria história no trabalho, inquietações e provocações nele vividas e superadas. Segundo Clot (2010), a análise das situações de trabalho considera o saber da experiência que tais situações comportam, e o resultado que se obtém é duplo. O primeiro resultado é produzir conhecimento sobre a atividade, descrever a atividade de trabalho. Mas a observação não produz conhecimento apenas para quem observa, produz também uma atividade em que é observada, uma inquietação, um diálogo interior (CLOT, 2010).
Se, por um lado, o que faz sofrer, insiste Clot (2010), é a atividade impedida, o que adoece é o desejo de trabalhar, apesar dos obstáculos, precarizações e limitações no direito à autoproteção num contexto emergencial ocasionado pela pandemia. Entre o cuidar de si e as atividades de cuidado como ACS, tendo que conciliar o inconciliável, com limitação de recursos para o agir, as ACS têm sua potência de ação diminuída, o que desencadeia o próprio adoecimento, presente na fala das participantes.
As ACS mostraram que o acontecimento “pandemia” escancarou a sobrecarga de trabalho, sim, mas também evidenciaram nos movimentos do trabalho a capacidade de constituir saídas, num acionamento do agir criativo nos enfrentamentos do cotidiano.
O estudo enfatiza a eficácia da autoconfrontação simples e cruzada como método de análise e intervenção nos processos de trabalho, na medida em que a construção e compartilhamento coletivo das cartas permitem a instalação de uma atividade nova, por retomar e fazer reviver os conflitos do real da atividade, bem como por sistematizar gêneros e estilos na ação do trabalho.


Conclusões/Considerações finais
O estudo, a partir da construção de narrativas, constituiu-se como um espaço de diálogo e cuidado na/da atividade de trabalho. Um abrir-se em possibilidades de expressar o que ficou entalado na garganta, um lugar de acolhimento de inseguranças e medos, angústias e sofrimentos, que se mostraram inaudíveis numa realidade emergencial da pandemia em que precisaram ser barreira de proteção e conexão entre os serviços e usuários.
As falas sinalizam o olhar das ACS para o adoecimento mental como uma considerável sequela pós-pandemia. No coletivo de trabalho, mostram o quanto sentiam junto os esgotamentos das colegas e as complicações desses enfrentamentos.
Os resultados do estudo reforçam a produção de narrativas como caminho de constituição de autonomia, do aumento do poder de agir, do manejo e da gestão coletiva do trabalho como princípios de atuação e intervenção em saúde do trabalhador.



Referências
BIROLI, F.; MIGUEL, L. F. Gênero, raça, classe: opressões cruzadas e convergências na reprodução das desigualdades. Mediações, Londrina, v. 20 n. 2, p. 27-55, dez. 2015.
CLOT, Y. A Função Psicológica do Trabalho. Petrópolis: Vozes, 2007.
CLOT, Y. Trabalho e poder de Agir. Belo Horizonte: FabreFactum, 2010.
CLOT, Y.; FAÏTA, D. Gêneros e estilos em análise do trabalho: conceitos e métodos. Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 25, n. 2, p. 33–60, 2016.
EVARISTO, C. Becos da memória. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2017.
MÉLLO, L.M.B.D; SANTOS, R.C; ALBUQUERQUE, P.C. Agentes Comunitárias de Saúde na pandemia de Covid-19. Saúde em Debate. v. 46, n. spe1, 2022.
OSORIO, C. et al. Clínicas do Trabalho e Análise Institucional. Rio de Janeiro: Nova Aliança, 2016.
SCHWARTZ, Y. Circulações, Dramáticas, Eficácias da Atividade Industriosa. Trabalho, Educação e Saúde, Vol. 2, n. 1, 2004, p. 33-55.

Fonte(s) de financiamento: CAPES


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