Comunicação Coordenada

04/11/2024 - 13:30 - 15:00
CC4.1 - Atenção à Saúde do trabalhador

50287 - CONSUMO COMUNITÁRIO DE ANTIBIÓTICOS NO BRASIL: UM PANORAMA A PARTIR DO SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE PRODUTOS CONTROLADOS (SNGPC)
TATIANA DE JESUS NASCIMENTO FERREIRA - ENSP/FIOCRUZ, JOÃO HENRIQUE DE ARAÚJO MORAES - ENSP/FIOCRUZ, ROSÂNGELA CAETANO - IMS/UERJ, CLAUDIA GARCIA SERPA OSORIO-DE-CASTRO - ENSP/FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
O Brasil é reconhecido como o maior consumidor de antibióticos dentre os países da América Latina, apesar de medidas restritivas implementadas desde 2011. Os antibióticos de uso sistêmicos (ATB J01) são comumente prescritos no uso comunitário, empiricamente, para tratamento das doenças do trato respiratório, ainda que a maioria das infecções nesse nível de cuidado sejam de causas virais (1).
A falta de racionalidade na utilização de ATB J01 e, por consequência, o aumento no consumo tem sido relacionados como uma das causas da resistência microbiana (AMR), definida como a capacidade dos microrganismos se alterarem quando expostos a antimicrobianos e resistirem à sua ação, tornando-os ineficazes, com impactos clínicos, econômicos, sociais e ambientais. Estudos recentes demonstraram que a mortalidade por AMR é maior em países de baixa e médio renda, atribuíveis aos antibióticos mais utilizados (p. ex., beta-lactâmicos) em terapias empíricas (2).
Estudar a utilização de ATB J01 ajuda a descrever a utilização e compreender os determinantes da AMR. Desde 2014, o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC) dispõe de dados de dispensação de antimicrobianos a partir de vendas de farmácias privadas (3). No entanto, até o momento, nenhum estudo de base populacional, em série histórica de sete anos, com enfoque no consumo comunitário de ATB J01 foi realizado no país.

Objetivos
Examinar o perfil do consumo comunitário de antibióticos de uso sistêmico no Brasil, por meio de um estudo de base populacional, a partir dos dados de dispensação registrados no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados, de 2014-2020, de modo a descrever e analisar o consumo nacional, por regiões e seus estados constituintes.

Metodologia
Foi realizado um estudo observacional retrospectivo, a partir dos dados de dispensação de ATB J01 de farmácias privadas no Brasil, de janeiro de 2014 a dezembro de 2020, para indivíduos com idade >= 15 anos.
A metodologia da Rede Europeia de Vigilância do Consumo de Antimicrobianos (ESAC-Net) foi adaptada para este estudo para permitir a comparabilidade entre o consumo no Brasil e em outros países.
O consumo anual foi expresso de acordo com o número de Doses Diárias Definidas por 1000 hab/dia (DID), o conjunto de indicadores de qualidade no uso comunitário de ATB J01, e o consumo relativo de cada ATB J01 alocado segundo sua classificação WHO AWaRe Classification (Acesso, Vigilância e Reserva), que considera sua importância clínica e o risco do seu uso promover resistência antimicrobiana, sobre o consumo total de ATB J01 (4).

Resultados e Discussão
Foram coletados 259.313.837 registros de dispensação de antibióticos durante o período investigado. Desse total, 67,2% preencheram os critérios de inclusão estabelecido para a análise. Os registros de dispensação de ATB J01 prescritos por médicos representaram 88%, sendo os demais de prescrições de dentistas. Aproximadamente 99% dos registros não continham informação de indicação clínica.
No período examinado, 4.590.329.296 nDDD foram consumidas no Brasil, em tendência não linear (p-valor 0,357). O trabalho evidenciou diferenças regionais no percentual de registros de dispensação e no consumo medido pela DID, além de sazonalidades no uso. O antibiótico com os maiores valores de DID e percentualmente de maior consumo, durante toda série histórica, foi a azitromicina (J01FA10), macrolídeo pertencente ao grupo ‘Vigilância’ da WHO AWaRe Classification, seguida pelas amoxicilina (J01CA04) e amoxicilina + inibidor beta lactamase (J01CR02), penicilinas categorizadas no grupo ‘Acesso’. Com relação aos grupos terapêuticos, penicilinas (J01C) e macrolídeos (J01F) foram os mais consumidos e, em termos de medianas, representaram 28,1% e 28,6%, respectivamente, do consumo total de antibióticos J01. Ao longo da série, o Brasil não conseguir fixar o consumo de ATB J01 alocados no grupo Acesso em 60%, frente aos demais, conforme recomendação da OMS.
O ano de 2020 destoou da série com variação regional de 93,7% - 23,0%. Houve aumento no consumo total de ATB J01 de 31,5%, com destaque para os macrolídeos (aumento de 71%); a razão entre o consumo de antibióticos de amplo espectro e de espectro estreito se elevou em 67,9% e todos os estados apresentaram maior consumo durante o primeiro trimestre para uma ou todas as fluoroquinolonas, majoritariamente classificadas no grupo Vigilância.

Conclusões/Considerações finais
A pesquisa mostra um aumento acentuado no consumo comunitário de ATB J01, contribuindo para uma tendência preocupante, que favorece a resistência antimicrobiana. Apesar da originalidade do nosso estudo, os resultados podem e devem ser consolidados e analisados juntamente com dados de dispensação das farmácias do Sistema Único de Saúde, informações epidemiológicas e indicadores de resistências antimicrobianas. Embora tenhamos utilizado dados do SNGPC como proxy para o consumo de antibióticos no país, estas informações podem ajudar os gestores de saúde a analisar e interpretar meticulosamente os dados para impulsionar o desenvolvimento de novas políticas, estratégias de monitorização e melhoria da utilização do ATB J01 em vários locais, promovendo, em última análise, uma utilização mais racional e controlada de antibióticos em todo o país.

Referências
1. Cavallazzi R, Ramirez JA. How and when to manage respiratory infections out of hospital. Eur Respir Rev [Internet]. 31 de dezembro de 2022 [acesso 22 de março de 2023];31(166):220092. Disponível em: http://err.ersjournals.com/lookup/doi/10.1183/16000617.0092-2022
2. Murray CJ, Ikuta KS, Sharara F, Swetschinski L, Robles Aguilar G, Gray A, et al. Global burden of bacterial antimicrobial resistance in 2019: a systematic analysis. The Lancet . fevereiro de 2022 [acesso 2 de fevereiro de 2023];399(10325):629–55. Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0140673621027240
3. Brasil. Resolução RDC no 471, de 23 de fevereiro de 2021 [Internet]. Diário Oficial da União fev 24, 2021. Disponível em: http://antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/6232328/RDC_471_2021_.pdf/a678704e-afb3-48bf-a33e-9b69c6270668
4. WHO. The Who AWaRe Access, Watch, Reserve) antibiotic book [Internet]. World Health Organization; 2022. 697 p.

Fonte(s) de financiamento: Este trabalho foi apoiado pelo Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi¬co e Tecnológico (CNPq, bolsa no 157683/2019- 2; CNPq no 305508/2020).


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