Comunicação Coordenada

04/11/2024 - 13:30 - 15:00
CC3.1 - Avanços e desafios da governança e planejamento regional do SUS

51510 - Judicialização da Assistência Farmacêutica e doenças raras: uma análise a partir dos processos judiciais interpostos contra a União Federal
THAÍS JERONIMO VIDAL - IMS/UERJ, VERA LÚCIA EDAIS PEPE - ENSP/FIOCRUZ, MIRIAM VENTURA - IESC/UFRJ, NATHÁLIA RODRIGUES ALVAREZ - ENSP/FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
As doenças raras são identificadas como aquelas de baixa frequência na população e englobam um conjunto de patologias diversas, a maioria de origem genética (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2022). No Brasil, é considerada doença rara aquela que afeta até 65 pessoas em cada 100.000 indivíduos. Quando agrupadas, contudo, tornam-se expressivas. Estima-se que existam entre 6 e 8 mil doenças raras no mundo que afetam cerca de 8% da população mundial e entre 13 e 15 milhões de brasileiros (AURELIANO, 2018).
Apesar de alguns esforços empreendidos para fortalecer a qualidade cuidado a essas pessoas, como a própria instituição da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, ainda persistem inúmeros desafios: longos itinerários terapêuticos e dificuldade de acesso a exames diagnósticos e a medicamentos (IRIART et. al. 2019).
Por essa razão, as tecnologias inovadoras para o tratamento de doenças raras têm sido importantes nas demandas judiciais interpostas contra o Estado Brasileiro, o que, muitas vezes, compromete as ações de planejamento e gestão em saúde. Se, por um lado, o desenvolvimento científico e tecnológico traz a expectativa de avanços nas terapias disponíveis e melhoria da atenção à saúde; por outro, os altos custos e a dificuldade de se estabelecer evidências de eficácia, efetividade e segurança para esses medicamentos limitam o acesso.


Objetivos
Partindo-se dos desafios dos sistemas de saúde e justiça na gestão do cuidado às pessoas com doenças raras e da necessidade de se pensar o acesso seguro aos medicamentos, esse trabalho teve como objetivo principal identificar as principais características médico-sanitárias e político-administrativas das ações judiciais contra a União Federal por medicamentos para doenças raras selecionadas.

Metodologia
Esse trabalho é parte da pesquisa intitulada "Cenário atual e futuro das demandas judiciais em saúde contra a União", financiada pelo Ministério da Saúde. A coleta de dados foi realizada no período de 2022 a 2024 e a definição das categorias de análise foi baseada no Manual de indicadores de avaliação e monitoramento das demandas judiciais de medicamentos (PEPE, 2011). A seleção dos processos teve como base a lista fornecida pelo Departamento de Gestão das Demandas em Judicialização na Saúde, do Ministério da Saúde. Foram incluídos 912 processos contra a União Federal que envolveram 23 medicamentos para 18 doenças raras distintas. As datas de distribuição das ações variaram entre os anos de 2008 e 2022. As fontes de dados incluíram os processos judiciais; as bulas dos medicamentos e as páginas eletrônicas da Anvisa e da Conitec. Foram analisadas as seguintes variáveis: (1) presença de prescrição médica, relatório médico ou outro documento; (2) registro sanitário; (3) uso offlabel; (4) presença em Protocolo Clínico e Diretriz Terapêutica e (5) existência de alternativa terapêutica no SUS. Os dados foram armazenados em planilha Excel e analisados quanti-qualitativamente.

Resultados e Discussão
Foram analisados 912 processos. A maior parte tinha por objeto medicamentos para as atrofias muscular espinhal (28,9%), seguida da Doença de Fabry, (17,3%). No que diz respeito às características médico-sanitárias, a maior parte dos processos apresentava algum documento médico anexado: 91,2% continham prescrição médica; 98,8% apresentavam relatório médico e 81,3% continham algum exame médico apensado. Apenas 0,5% não apresentavam nem prescrição, nem relatório. Apesar de apenas uma minoria dos processos não possuir documento médico sanitário apensado, novos estudos ainda são necessários para avaliar se esses documentos respeitam os requisitos mínimos de validade. Quanto à presença de registro sanitário, verificou-se que 586 dos 912 das demandas judiciais analisadas (64,3%) foram impetradas após a aprovação do medicamento pela Anvisa. Contudo, ainda se destacou um alto número de processos por medicamentos sem registro (35,7%). Desses 586 casos que possuíam registro válido, 18 (3,0%) foram classificados como uso off label. No que tange à avaliação da incorporação pela Conitec, 29,6% dos pedidos tinham sido avaliados, dos quais, 39,6% (o equivalente a 107 processos) haviam sido recomendados para incorporação ao SUS. A análise também indicou que apenas 8,9% das demandas faziam parte de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas e apenas 10,6% estavam pactuadas em Comissões Intergestores. Cabe destacar que apesar de terem sido analisados alguns processos impetrados antes da criação da Conitec em 2011, esse número representou apenas 1,5% do total (14 processos), o que, portanto, não explica o baixo percentual de tecnologias avaliadas ou em PCDT. Em 12,5% dos casos, havia alternativa terapêutica disponível no SUS no momento da interposição da ação.

Conclusões/Considerações finais
A existência de considerável número de demandas sem registro sanitário gera a preocupação de que a via judicial comprometa uso seguro de medicamentos e seja utilizada como estratégia para o uso destes medicamentos, mesmo sem registro e definição de preço máximo de venda. Dessa forma, impõe-se aos sistemas de saúde e justiça o desafio de regular esse uso, de forma a minimizar os riscos sanitários. A falta de protocolos e diretrizes ainda é um dos principais desafios impostos às doenças raras e pode ser consequência da própria dificuldade de se gerar evidência científica. Nesse sentido, é necessário que o Estado pense novas estratégias como a inclusão dos pacientes de doença rara, sob demandas judiciais, para acompanhamento nas unidades habilitadas em doenças raras pelo SUS, de forma a gerar evidências de efetividade e segurança do uso.

Referências
Aureliano W de A. Trajetórias Terapêuticas Familiares: doenças raras hereditárias como sofrimento de longa duração. Ciênc saúde coletiva [Internet]. 2018Feb;23(2):369–80. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232018232.21832017

Ministério da Saúde. Portaria nº 199, de 30 de janeiro de 2014. Institui a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, aprova as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e institui incentivos financeiros de custeio. Diário Oficial da União 31 jan 2014. Acesso em 10 de junho de 2024.

Iriart JAB, Nucci MF, Muniz TP, Viana GB, Aureliano W de A, Gibbon S. Da busca pelo diagnóstico às incertezas do tratamento: desafios do cuidado para as doenças genéticas raras no Brasil. Ciênc saúde coletiva [Internet]. 2019Oct;24(10):3637–50. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-812320182410.01612019

Fonte(s) de financiamento: Ministério da Saúde


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