54047 - ALÉM DOS MUROS: A INVISIBILIDADE DE UM TERRITÓRIO E OS DESAFIOS ENFRENTADOS POR UMA CF PARA OFERTAR CUIDADO À POPULAÇÃO DE UM CONJUNTO HABITACIONAL RAYANE FERNANDES DA SILVA MACHADO - ENSP/ FIOCRUZ, LEON PEREIRA DE OLIVEIRA - ENSP/FIOCRUZ, YARA WALERIA LOPES BRITO DA CRUZ - ENSP/FIOCRUZ, SILVIANA RODRIGUES DE PAIVA - ENSP/FIOCRUZ, AQUELINE ALVES RIBEIRO ROCHA - ENSP/FIOCRUZ, EDNEA COSTA RODRIGUES DA SILVA - SMS RIO DE JANEIRO, MARCELLE DE PAULA FIGUEIRA - ENSP/FIOCRUZ, LÍDIA DA SILVA PEREIRA DE OLIVEIRA - ESNP/FIOCRUZ, LUANA XAVIER DE CASTRO - SMS RIO DE JANEIRO
Contextualização A vulnerabilidade social se projeta em um contexto em que há situações de fragilidade no acesso às oportunidades socioeconômicas sejam elas provenientes do Estado, mercado ou da sociedade (Kaztman, 2000). Nesse sentido, a habitação constitui uma das necessidades humanas básicas, reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição Federal do Brasil. Desde o século XIX o Brasil vem implementando políticas de habitações para a garantia desse direito. No entanto, a produção de novas moradias de forma isolada, como o caso dos conjuntos habitacionais, podem não ser capazes de contemplar as multicausalidades que cercam as situações de vulnerabilidades de uma população (DAMASCENO; GOULART, 2023).
A Atenção Primária à saúde (APS) tem papel fundamental em realizar o levantamento dos determinantes em saúde, visto que ela é a porta de entrada do Sistema único de Saúde (SUS), sendo responsável pela identificação dos problemas e necessidades em saúde, além de coordenar o cuidado integral da população adstrita (Starfield, 2002). A APS tem o desafio, então, de identificar as necessidades em saúde, principalmente quando existem barreiras que mascaram as vulnerabilidades existentes em um dado local, como o acesso à moradia proporcionada pelos conjuntos habitacionais, que não garantem, necessariamente, acesso aos demais direitos de uma população.
Descrição da Experiência Essa experiência parte das vivências dos residentes do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família da ENSP/FIOCRUZ, na Clínica da Família Fiorello Raymundo (CFFR), localizada na Zona Oeste do Rio de Janeiro . No território adscrito da CFFR está parte do Conjunto Habitacional Dom Jaime Câmara (CHDJC), que já foi o maior conjunto da América Latina. O programa de residência aplica, como um dos primeiros exercícios, a realização de um diagnóstico situacional do território e da Clínica. O diagnóstico foi iniciado em março de 2023, com o olhar voltado para o reconhecimento e análise da situação e necessidades do território. Essa análise permitiu uma maior e mais qualificada compreensão da realidade dos residentes do CHDJC, observou-se que havia a dificuldade de identificar as áreas de maior vulnerabilidade dentro do conjunto habitacional devido a sua construção padronizada. Esse padrão físico oculta a realidade vivenciada por cada família em seus respectivos apartamentos, uma vez que as paredes dos blocos mascaram o contraste social existente e perpetuam a invisibilidade da população em estado de vulnerabilidade que reside nesses conjuntos. Dessa forma, a CFFR enfrenta o desafio de identificar e planejar ações que possibilitem oferecer acesso e a garantia de um cuidado integral para essas famílias.
Objetivo e período de Realização Esse relato tem como objetivo discutir a orientação comunitária e a territorialização na APS, partindo da realidade de um conjunto habitacional cuja aparência mascara diversas vulnerabilidades. Há um destaque para os desafios enfrentados pela Clínica da Família no planejamento das ações e na garantia da equidade. Este relato é construído a partir das experiências de uma equipe de Residentes Multiprofissionais em Saúde da Família entre o período de março de 2023 e março de 2024.
Resultados A partir da construção do diagnóstico situacional obtivemos como produto um trabalho acadêmico que, além de trazer a análise atual do território, possibilitou resgatar também o histórico da população residente no CHDJC. O CHDJC surge, a partir da política higienista do Governador Carlos Lacerda, como uma solução para alocar os antigos moradores expulsos das favelas dos grandes centros urbanos do RJ. Dessa forma, o conjunto é construído em desenho padronizado com o objetivo apenas de fornecer moradia aos seus moradores, que são em sua maioria pessoas negras e de baixa renda. Hoje, o reflexo disso se perpetua em um grande contraste social em que, enquanto alguns apartamentos possuem conforto e qualidade, em outros residem famílias que se encontram em situação de pobreza, insegurança alimentar e falta de acesso a bens e serviços, com consequente dificuldade na garantia da qualidade de vida. Nesse sentido, a Clínica da Família enfrenta o desafio de olhar além das paredes, usando como principal ferramenta o diagnóstico situacional e as visitas domiciliares a fim de identificar as vulnerabilidades e garantir o planejamento e a oferta de um cuidado integral para essa população.
Aprendizado e Análise Crítica O aprendizado de maior impacto foi referente a importância do diagnóstico situacional (DS). Momento em que ocorre o resgate histórico do território e das pessoas que o tornam vivo. Essa ferramenta possibilita ampliar o entendimento da equipe sobre os contextos familiares. A construção do DS é árdua, demanda uma ação conjunta de toda a clínica e necessita de visitas domiciliares com um olhar mais atento e ampliado. A partir do conhecimento obtido através do DS é possível planejar as ações em saúde mais próximas das necessidades da população. Destaca-se a relevância da CF em identificar vulnerabilidades diversas, geralmente invisíveis e que a lógica por trás dos conjuntos habitacionais, pensada muito mais em suprir aspectos políticos do que em quem iria residir nesses locais, não considera aspectos relacionados a história das pessoas que ali irão residir, assim como o crescimento dessa população, as suas necessidades e as questões ambientais. Conclui-se que é necessário compreender a lógica na formação do territórios adscritos à APS, conjuntos habitacionais ou não, e sua contribuição na processo saúde-doença, para a garantia de direitos sociais e na visibilização de vulnerabilidades e riscos no seu cotidiano.
Referências BÁRBARA, C.; DAMASCENO; OLIVEIRA GOULART, J. Provisão habitacional e vulnerabilidade: limites das políticas de produção de moradia. Anais do XX Encontro Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional – ENANPUR: Belém, 2023.
KAZTMAN, Rubén. Notas sobre la medición de la vulnerabilidad social, en BID-Banco Mundial-CEPAL-IDEC, 5º Taller Regional. La medición de la pobreza: métodos y aplicaciones (continuación), Aguascalientes, 6 al 8 de junio de 2000, Santiago de Chile, CEPAL, p. 275-301.
STARFIELD, B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde,serviços e tecnologia.Brasília: Unesco, Ministério da Saúde, 2002
Fonte(s) de financiamento: Não possuo
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