Comunicação Coordenada

05/11/2024 - 08:30 - 10:00
CC2.6 - Por uma Saúde Antirracista: saberes ancestrais, experiências e os desafios das políticas de Saúde Integral da População Quilombola

53000 - NARRATIVAS DE DORORIDADES E SABERES ANCESTRAIS DAS MULHERES QUILOMBOLAS: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA NO CAMPO DA SAÚDE COLETIVA
ARIANE SILVA CARVALHO - UFES, RITA DE CASSIA DUARTE LIMA - UFES, HELOISA IVONE DA SILVA DE CARVALHO - UFES, MARIA ANGÉLICA CARVALHO ANDRADE - UFES, JANDESSON MENDES COQUEIRO - UFES, STEPHANIA MENDES DEMARCHI - UFES


Contextualização
O presente relato de experiência se propôs investigar as relações ancestrais no campo da saúde coletiva em uma comunidade quilombola em Linharinho no ES, tendo como sujeitos da pesquisa um grupo composto por três mulheres com diferentes gerações, na perspectiva circular e dialógica, por meio das narrativas, das relações com as ervas medicinais e a unidade de saúde mais próxima. Metodologicamente trata-se de uma pesquisa qualitativa, no campo quilombola, com foco na construção do conhecimento pela visão holística, a partir das escutas e redes de conversações com mulheres negras quilombolas. Nesse contexto os resultados apontam que as mulheres negras idosas, adultas e jovens quilombolas tecem suas redes de saúde e cuidado, reavivando histórias tecidas pelos ancestrais quilombolas, tendo a terra como foco central de vida, (senão tem terra não se tem nada) onde o território é de uso coletivo possibilitando o exercício de uma vida comunitária, laços de solidariedade entre seus moradores e moradoras. Identifica-se que as relações das mulheres negras quilombolas apontam caminhos da utilização de plantas, ervas medicinais que amenizem as suas doenças, trazem melhores condições de vida e prevenções. Sendo assim, acredita-se na importância de vozes das mulheres negras quilombolas e no investimento das narrativas singulares, como uma estratégia que visibiliza a produção de conhecimentos.

Descrição da Experiência
Esta experiência decorre de uma pesquisa de campo do mestrado em 2023 na comunidade quilombola de Linharinho em Conceição da Barra (ES), ao entrar neste enegrecido quilombo, reavivo lembranças da minha infância tendo muitos sentimentos:

Estou de volta pro meu aconchego
trazendo na mala bastante saudade
querendo um sorriso sincero, um abraço
Para aliviar meu cansaço
E toda essa minha vontade
Que bom
Poder tá contigo de novo

Os lindos e delicados versos cantando por Elba Ramalho (2015), nos remete à Neusa Santos Souza (2021) quando em sua obra "Tornar-se Negra" nos indicam os resquícios da sociedade escravocrata preservada e reforçada pelo racismo, com controle das hegemonias brancas presente ainda nos dias de hoje. Esse relato de experiência justifica-se, a partir de ausência dessas produções acadêmicas do campo da saúde, e pela presença das desigualdades raciais que, historicamente, têm excluído essa população dos direitos de acesso à saúde pública, jogando-a à margem de uma participação efetiva nos rumos da sociedade brasileira.
Gonzalez (1998) nos alerta sobre a coletividade dessas mulheres negras, que possibilita momentos de trocas de afeto, de acolhimentos e criam estratégias coletivas para lutarem por direitos, proteção e preservação dos saberes africanos e afro-brasileiros, através de uma perspectiva circular e dialógica por meio de narrativas de quem construiu essa história.




Objetivo e período de Realização
Investigar as relações ancestrais no campo da saúde coletiva, na comunidade quilombola no ES, tendo como sujeitos três mulheres, de diferentes gerações. A pesquisa de campo foi realizada de janeiro a agosto de 2023, com três encontros por meio de conversações. São diferentes modos de produção de saberes, que mulheres negras quilombolas constroem coletivamente. Ao ouvir as narrativas, percebe-se que a presença das tradições e relações com plantas medicinais, como mecanismo de cuidado com a saúde.

Resultados
A partir das narrativas de três diferentes gerações de mulheres quilombolas, identificamos que atualmente mulheres quilombolas atuam como benzedeiras em um ambiente que inspira muita quietude, reflexão e inspiração religiosa. Assim, por meio de conversações, escutas sensíveis e acolhedoras, interações nas conversas, sentindo o cheiro da terra e usufruindo de um ambiente cheio de energias ancestrais, reconhecemos que nas relações de saúde, estabelecidas na comunidade quilombolas, predominam o uso de chás, rezas, plantas medicinais e em último caso elas procuram atendimento médico. Elas narraram que as profissionais da saúde têm consciência das relações que estabelecem com as plantas, principalmente quando sentem dor ou desconforto.

Antes da pandemia ocorreram visitas de diferentes profissionais de saúde com frequência, inclusive para realização de exames na própria comunidade, atualização de receitas vencidas e análise de exames. Entretanto, as mulheres relataram a dificuldade de transporte para irem até a Unidade de Saúde, além dos impactos com o horário de pegar fichas, perdendo muitas vezes a oportunidade de agendar uma consulta e mesmo que expliquem a atendente não abre exceções.


Aprendizado e Análise Crítica
Pisar numa comunidade quilombola e vivenciar histórias narradas por quem de fato viveu é algo que extrapola a academia neutra, posto que seus limites não comportariam as muitas cores, as singularidades das vozes, os cheiros característicos da comunidade, os sons das gargalhadas, as feições na pele preta muitas vezes marcada pelas lutas, e muito menos o caminho das lágrimas que marcaram os rostos das mulheres negras dessa pesquisa.

Reconhecendo os séculos de reprodução sobre a inferioridade da população negra, objetificada e difundida ao longo do processo de escravização no Brasil. Ao realizar essas escutas na comunidade quilombola de Linharinho (ES), mantidas pelas tradições e histórias, entendemos as negações de direitos pelo Estado, muitas vezes ausente, ao mesmo tempo, as relações entre as mulheres quilombolas são demarcadas por empatia, união e continuidade das tradições ancestrais nas relações com a natureza.

Torna-se necessário assim, o maior investimento do Estado para a implementação de políticas públicas de saúde, mais efetivas, sobretudo para atender as reais necessidades das mulheres negras quilombolas, sendo necessário conhecer histórias, memórias, saberes dos quilombos, as manifestações religiosas, econômicas e a relação da comunidade com a terra, para de fato criar políticas públicas que visem o fortalecimento da saúde e cuidado nas comunidades quilombolas.


Referências
CARVALHO, H. I. S. Dissertação de mestrado, Práticas Corporais nas Comunidades Quilombolas: Significados das Manifestações Culturais, Escola de Monte Alegre, 2014.
CULTIVO e uso de plantas medicinais em comunidades quilombolas. Disponível em:
https://proceedings.science/cied/papers/cultivo-e-uso-de-plantas-medicinais-emcomunidades-quilombolas. Acesso em: 29 mai. 2023.
De Volta Pro Aconchego é uma canção de Dominguinhos e Nando Cordel.
Gravada por Elba Ramalho, ‘Do Meu Olhar Para Fora’, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=HRFSmgOIVtE> acesso em 09 de abril de 2024.
EVARISTO, C. “A escrevivencia também para as pessoas pensarem”. Itaú Social, 2020.
Gonzalez, L. Por um feminismo afrolatinoamericano. Revista Isis Internacional, 1988.
SOUZA, Neusa S.2021. Tornar-se negro: Ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro Zahar.


Realização:



Patrocínio:



Apoio: