53510 - SANKOFIANDO OS VESTÍGIOS DO MOVIMENTO NEGRO NA REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA: UM OLHAR AMEFRICANO EM BUSCA DO QUE FICOU ESQUECIDO SOPHIA ROSA BENEDITO - IMS-UERJ, ANDRÉ LUIS DE OLIVEIRA MENDONÇA - IMS-UERJ
Apresentação/Introdução A Reforma Sanitária Brasileira (RSB), marco fundamental para a construção do campo da Saúde Coletiva enquanto polo de produção do conhecimento e também como movimento social construtor do Sistema Único de Saúde (SUS), tem em sua história “oficial” a identificação dos sujeitos do movimento sanitário sendo intelectuais, militantes partidários, movimento médico e oriundos dos movimentos populares (ESCOREL, 1999; GERSCHMAN, 1995; PAIM, 2008). Apesar disso, as produções que buscam narrar esta história não realizam menção sobre as contribuições de militantes e movimentos negros para a construção deste processo, bem como não incorporam o reconhecimento do racismo como um elemento estruturante da formação sociocultural brasileira enquanto uma sociedade Amefricana (GONZALEZ, 1988), a quem, em tese, endereça as formulações de um Sistema Universal.
Neste sentido, numa proposta de fazer um movimento de Sankofa, de reconhecer que “não é tabu voltar atrás e buscar o que esqueceu”, é que retorna-se ao passado do processo da RSB como referência para evidenciar analisadores importantes para pensar o presente e o a construção do futuro do SUS.
Objetivos Objetivo Geral: Compreender quais pautas dos movimentos negros foram invisibilizadas durante o processo de construção da RSB enquanto base fundante do SUS.
Objetivos Específicos: a)Traçar um resgate histórico da participação de militantes negros no movimento sanitarista entre 1970 a 1990; b) Identificar os pontos de interlocução entre movimentos negros e movimento sanitário no processo da RSB.
Metodologia Trata-se de uma pesquisa realizada para uma dissertação de mestrado em Saúde Coletiva, concluída em dezembro de 2023. Adotando uma perspectiva afrocentrada, foi elaborado um método inspirado na História Social e na filosofia do Adrinkra Sankofa (GLOVER, 1969). O método "Sankofiar a memória da Reforma Sanitária" combinou: 1) Análise crítica de textos clássicos e fontes oficiais sobre a RSB; 2) seleção de referências afrocentradas (ASANTE, 2008) e em pluriperspectivas (BAPTISTA, BORGES, REZENDE, 2019) e registros dos movimentos negros; 3) diálogo/entrevistas com seis pessoas negras politicamente ativas durante a RSB, visando valorizar memórias não registradas; e 4) incorporação da perspectiva ativa da autora, como parte das histórias negras resgatadas. Desta forma, Sankofiar teceu-se como práxis que resgatou e produziu um olhar sobre memória e história, valorizando referências culturais africanas na produção de conhecimento no Brasil. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob CAAE nº 65271622.5.0000.5260.
Resultados e Discussão A análise bibliográfica e a pesquisa documental revelaram vestígios para reconstituir a participação negra na elaboração das políticas de saúde no período da RSB. A literatura sobre a RBS e documentos oficiais, como os relatórios das Conferências de Saúde e da Comissão de Reforma Sanitária, denegaram as contribuições da militância negra e a temática do combate ao racismo. No entanto, ao resgatar registros dos movimentos negros, como o Movimento Negro Unificado, e espaços de articulação como as Convenções, Conferências e Congressos do negro, e os trabalhos da Subcomissão da Assembleia Nacional Constituinte, evidenciou-se que a militância negra tinha um projeto articulado para a construção de políticas de saúde. Este, promovia uma visão ampliada de saúde, abrangendo aspectos mentais, físicos e espirituais, e incluía demandas como a estatização, socialização e unificação do Sistema de Saúde, a destinação de 20% do Orçamento da União para saúde e a nacionalização das indústrias farmacêuticas no país. O protagonismo do movimento de mulheres negras foi fundamental para a discussão dos direitos sexuais e reprodutivos. O diálogo com as pessoas entrevistadas: Rita Lima, Isabel Cruz, Fernanda Lopes, José Adão, Jurema Werneck e Walmir Garcia permitiu outros olhares para a 8ª CNS, bem como refletir sobre os aspectos que influenciaram a articulação da militância negra na época, ressaltando o papel estratégico do movimento de mulheres negras na construção das políticas de saúde. Evidenciou-se uma articulação produtiva entre o movimento popular e o negro, apontando desafios a partir de suas perspectivas e contribuições. A abordagem "escrevivente" da autora permitiu uma conexão entre tempo e história, enriquecendo a compreensão desse processo histórico e suas influências no presente.
Conclusões/Considerações finais Entre as principais considerações desta pesquisa, destaca-se a evidência da participação negra nos registros oficiais da saúde, a exposição de algumas demandas sistematizadas do movimento social negro e a abertura para que vozes negras compartilhem a história da construção das bases do SUS sob perspectivas não convencionais. Isso inclui a consideração das diversas concepções de saúde e cuidado, o papel de destaque do movimento de mulheres negras, as discussões sobre a estruturação de um Sistema de Saúde e a gestão da força de trabalho dentro dele, além das reflexões sobre a concepção de democracia trazidas do passado. Esses insights são fundamentais para uma reavaliação das bases de análise e formulação, visando a refundação de SUS que seja pluriversal, equânime, integral e intercultural - um SUS verdadeiramente Amefricano.
Referências ASANTE, M. K. Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin. (org.). Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora. São Paulo: Selo Negro, 2008. p. 93-110
BAPTISTA, T. W. de F., BORGES, C. F. e REZENDE, M. de. Outros olhares para a Reforma Sanitária Brasileira. Saúde em Debate v. 43, n. spe8, pp. 05-10
ESCOREL, S. Reviravolta na Saúde: origem e articulação do movimento sanitário. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999
GERSCHMAN, S. A Democracia Inconclusa: Um estudo da RSB. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1995
GLOVER, E. Abade. Adinkra, symbolism. Kumasi e Acra, Gana: National Cultural Center. Geo Art Gallery, 1969
GONZALEZ, L. A categoria político-cultural de amefricanidade. In: Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, Nº. 92/93, 1988
PAIM, J.S. Reforma sanitária brasileira: contribuição para a compreensão e crítica. Salvador: EDUFBA; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008. 356 p.
Fonte(s) de financiamento: Próprio.
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