Comunicação Coordenada

05/11/2024 - 08:30 - 10:00
CC2.5 - Racismo e Saúde: desafios históricos e a contemporaneidade

52312 - EQUIDADE E A VIVÊNCIA DE MULHERES NEGRAS COM HIPERTENSÃO NO ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE
LETÍCIA GABRIELA DA SILVA - USP, MARILIA CRISTINA PRADO LOUVISON - USP


Apresentação/Introdução
Compreendida como um princípio do SUS, a equidade é confundida com igualdade, quando são conceitos distintos. A igualdade pode ser viabilizada no âmbito do Estado a partir da cidadania, pressupondo haver um compartilhamento coletivo de crenças que tornará aqueles que individualmente participam de forma integral da comunidade em iguais (Brasil, 1990; Vieira-da-Silva e Almeida-Filho, 2009; Marshall, 1963; Teixeira, 1989; Fleury e Ouverney, 2012).
Já a equidade é traduzida em intervenções de agentes sociais nos processos de saúde a partir da participação e da governança num contexto democrático (Vieira-da-Silva e Almeida Filho, 2009) para que todas as pessoas, acessem e utilizem o sistema de saúde, visto que alguns grupos populacionais, como a população negra, historicamente encontrem socialmente, inúmeras barreiras de acesso à saúde.
As políticas públicas como a política de saúde integral da população negra, atuam a partir de diretrizes nacionais para assegurar o monitoramento da situação de saúde da população negra e instrumentalizar ações que contribuam para o acesso a saúde e para visibilização dos indicadores de saúde (Brasil, 2017). Nesse sentido, mesmo com a implementação de políticas de equidade, é fundamental seguir avaliando, quais são as barreiras de acesso que usuárias negras tem enfrentado no acesso e uso dos serviços de saúde?



Objetivos
Este trabalho analisou as iniquidades no acesso e uso dos serviços de saúde por mulheres negras na linha de cuidado da hipertensão em um município da Grande São Paulo.

Metodologia
Utilizando uma combinação da escrevivência e cartografia (Ronik, 1989; Barros e Kastrup, 2009; Deleuze e Guattari, 1995; Deleuze e Guattari, 1997; Rolnik, 2018; Evaristo, 2017; Duarte e Nunes 2020), as atividades de campo foram iniciadas a partir encontros com a gestão representada pela coordenação de atenção básica e comitê de saúde da população negra. Dessa forma, ficou estabelecido o território do campo e as articulações necessárias para a inserção.
Antes da inserção no campo, foram definidos critérios para a escolha de usuários que participariam da cartografia, inicialmente definimos que poderiam participar usuárias negras e idosas, que estiveram hospitalizadas no SUS em decorrência de Acidente Vascular Cerebral ou Infarto Agudo do Miocárdio e em tratamento de reabilitação com acompanhamento pós internação na atenção básica.
Ocorreram dois encontros mulheres com duração de aproximadamente duas horas, com gravação de áudio das conversas, posteriormente destruído após a transcrição. As entrevistas não tiveram roteiro estruturado, apenas foram explicados os objetivos, riscos e benefícios da pesquisa e foi assinado o TCLE no início da conversa.



Resultados e Discussão
A escolha das interlocutoras ocorreu no primeiro dia de campo, com auxílio de agentes comunitárias da UBS do território. Como não encontramos nenhuma idosa com histórico de internação em decorrência de AVC ou IAM no território de abrangência da UBS, optamos por selecionar duas idosas com hipertensão e outras comorbidades crônicas, que haviam estado internadas por outros problemas de saúde, realizando o controle da hipertensão com medicação na atenção básica e entrevistamos uma terceira idosa de outro território de abrangência com IAM recente.
Das três entrevistas, apenas duas puderam ocorrer de fato com as interlocutoras, a terceira entrevista, que ocorreria com a idosa com quadro recente de IAM ocorreu com a filha da idosa, pois em decorrência do infarto, houve comprometimento motor e da fala, que inviabilizou a conversa.
Entretanto, pudemos observar histórias de vida semelhantes entre as mulheres negras, para elas a hipertensão se apresentou em decorrência de uma vida marcada por muito trabalho, dificuldades principalmente relacionadas à chefia de suas famílias, as idosas também tinham em comum a origem nordestina e a trajetória em São Paulo marcada pelo trabalho como empregada doméstica.
Em relação ao acesso aos serviços de saúde, não havia barreiras físicas que o impediam, entretanto, o relacionamento com profissionais de saúde, nas entrelinhas das narrativas denunciavam que seus corpos eram discriminados na falta de escuta e no excesso de medicalização, além das longas filas de espera para exames ou especialidades. A rede de apoio destas mulheres se mostrou como fator fundamental não apenas no cuidado, mas o que também contribuiu para o adoecimento de seus corpos, em relação ao alto grau de responsabilidade.



Conclusões/Considerações finais
Buscar as experiencias individuais, auxilia a compreensão dos aspectos do coletivo considerando múltiplas ideias, vivencias e saberes para trazer o exercício de ler o que já se conhece de outra perspectiva, vinculando experiências às ideias (Silva, 2019; Collins, 2019).
O desenvolvimento da hipertensão não ocorreu de forma isolada, mas de um cenário de escassez socioeconômica e inúmeras violências que marcaram os corpos das entrevistadas de forma indeléveis, questões onde o SUS per se não tem governabilidade suficiente para intervir de forma exclusiva. Em relação às iniquidades, elas ocorrem no campo das subjetividades, intrincadas em ações discriminatórias embutida em falas, falta de escuta, excesso de medicalização e falta de sensibilidade de profissionais. Apesar do acesso universal com a equidade como orientador do sistema, transgredir as ações estruturadas da sociedade marcada pela diferença e discriminação ainda é um enorme desafio.


Referências
Passos, E; Kastrup, V; Escóssia, L. Pistas do método de cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2009.
Deleuze, G; Guattari, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia (v1). Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.
Duarte, CL; Nunes, IR (org). Escrevivência: a escrita de nós. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte, 2020.
Evaristo, C. Becos da Memória. Rio de Janeiro: Pallas, 2018.
Marshall, TH. Cidadania, classe social e status.Rio de Janeiro: Zahar, 1963.
Rolnik, S. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. São Paulo: estação liberdade, 1989.
Silva, DF. A dívida impagável. São Paulo: Oficina de Imaginação Política e Living Commons, 2019.
Teixeira, SoniaFleury (org). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989.
Vieira-da-Silva, LM; Almeida-Filho, N. Eqüidade em saúde: uma análise crítica de conceitos. Cad. Saúde Pública. 2009; 25(2).

Fonte(s) de financiamento: FAPESP (2022/08905-1) e com o apoio da CAPES - código de financiamento 001


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