Comunicação Coordenada

04/11/2024 - 17:20 - 18:50
CC2.4 - Política para a população em situação de rua: o fio da navalha entre a perpetuação das desigualdades e o cuidado em saúde

53682 - “A RUA É PRETA”: REFLEXÕES A PARTIR DA VIVÊNCIA COM UMA EQUIPE DE CONSULTÓRIO NA RUA NA CIDADE DE SÃO PAULO
MÔNICA GOUVEIA MATOS - USP


Contextualização
O fenômeno da população em situação de rua é uma construção histórica com raízes no período colonial escravagista aprofundado no período pós-abolição, possuindo relação direta com o racismo estrutural e a conjuntura econômica do capitalismo dependente no Brasil (SANTOS, 2023). Embora a garantia de direitos a essa população tenha avançado com a criação da Política Nacional para a População em Situação de Rua (BRASIL, 2009), o acesso à saúde passou a ganhar maior concretude com a instituição da Estratégia Consultório na Rua (BRASIL, 2012). No entanto, as inúmeras fragilidades encontradas nessa população, tornam um desafio para a equipe garantir o cuidado em saúde de forma efetiva. Além disso, apesar da política destacar um perfil heterogêneo da população de rua, é certo que os grupos mais marginalizados na sociedade estarão mais suscetíveis a compor essa população, em razão das desigualdades estruturais que interseccionam raça, classe e gênero. Na capital paulista, o cenário pós pandemia agravou ainda mais as complexidades em torno desse fenômeno, onde o último censo evidenciou aumento de 31% do número de pessoas em situação de rua (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2022).

Descrição da Experiência
A residência em Saúde Coletiva e Atenção Primária propicia vivência prática e aparato teórico para dialogar com as experiências vivenciadas. Dentre as atividades programáticas, há o acompanhamento das atividades realizadas nas unidades básicas, onde em uma delas foi possível acompanhar a equipe de Consultório na Rua. Pela manhã observou-se o atendimento realizado na unidade de referência, a gestão do caso pela equipe, as dinâmicas do trabalho e a articulação com a rede. Na sala de espera também pude dialogar com os usuários que estavam aguardando atendimento. À tarde houve discussão de outros casos e atendimento na rua, incluindo as áreas de cenas de uso. Durante toda a experiência foi possível realizar conversas com os profissionais da equipe, principalmente com o médico, um homem branco.

Objetivo e período de Realização
O objetivo deste trabalho é descrever a experiência do acompanhamento à equipe de Consultório na Rua e tecer reflexões a partir dessa vivência. O acompanhamento às atividades realizadas pela equipe ocorreram pela manhã e tarde de um único dia do mês de fevereiro de 2024, mas as reflexões suscitadas seguem vivas até o período de escrita deste resumo (junho de 2024).

Resultados
A maior parte da população em situação de rua, são pessoas negras, observação também evidenciada pelo médico da equipe que confirmou de maneira categórica “sim, a rua é preta”. Ao redor das cenas de uso também foi possível encontrar mulheres trans e gestantes. Por meio do diálogo com os usuários, observou-se a importância da escuta ativa, acolhimento, valorização das suas qualidades e autoestima como parte do cuidado e humanização. Para a equipe, os principais desafios envolvem a falta de suporte para exercer o cuidado em saúde, a sobrecarga por articularem toda a rede de assistência, além da falta de estrutura, segurança e acolhimento a sua saúde mental por lidarem com questões complexas diariamente. Ao profissional, também cabe a necessidade de manejar suas frustrações por não conseguir efetivar o cuidado em saúde e as questões bioéticas que perpassam o desejo do profissional e do paciente, como o caso de uma puérpera que teve seu filho dirigido para a adoção e o implante de um método contraceptivo logo após o parto, mesmo a usuária tendo expressado desejo em exercer a maternidade.

Aprendizado e Análise Crítica
A composição majoritária de pessoas negras em situação de rua é um reflexo do sistema capitalista e do racismo estrutural. Não é por acaso o encontro dos grupos mais marginalizados em condições de extrema vulnerabilidade social e pobreza, mas sim pela estrutura social e econômica que produz a população em situação de rua e impede sua reinserção social. Embora haja algum esforço do Estado em criar políticas de saúde para essas populações, a implementação e o diálogo entre elas, ainda não se concretiza. A realidade que se observa é a subjugação de quais vidas importam e a insuficiência estatal que dificulta o trabalho dos profissionais de saúde. Para o usuário, destaca-se a importância de um cuidado humanizado que vá além dos aspectos de direitos básicos, englobando a escuta com interesse na sua história, suas opiniões e na valorização das qualidades individuais e autoestima. A experiência agregou de forma única a formação como sanitarista e possibilitou reconhecer as necessidades da equipe e da população atendida. A partir da vivência, surgem algumas reflexões: há de fato um interesse em implementar políticas de saúde para as populações marginalizadas? Como elas chegam à prática? Onde elas estão quando os direitos à saúde deste grupo são constantemente violados? As indagações propõem uma reflexão crítica sobre o real interesse do Estado na efetivação das políticas de saúde.

Referências
Brasil. Decreto Presidencial nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009: institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2009.
Brasil. Portaria nº 122, de 25 de janeiro de 2012: define as diretrizes de organização e funcionamento das equipes de Consultório na Rua. Diário Oficial da União 2012.
CIDADE DE SÃO PAULO. Censo da prefeitura revela que população em situação de rua cresceu 31% nos últimos dois anos. São Paulo, 2022. Disponível em: https://imprensa.prefeitura.sp.gov.br/noticia/censo-da-prefeitura-revela-que-populacao-em- -situacao-de-rua-cresceu-nos-ultimos-dois-anos. Acesso em: 08 jun. 2024.
SANTOS, E. T. A; SARRETA, F. O; GUILHERME, B. C. O. A cor das ruas: o racismo e a população em situação de rua no Brasil. PerCursos, Florianópolis, v. 24, 2023.

Fonte(s) de financiamento: Não houve.


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