52333 - CO.ORDENAÇÃO DO CUIDADO DA PESSOA EM SITUAÇÃO DE RUA: UMA DISCUSSÃO SOBRE ARTICULAÇÃO DA REDE DÉBORA ZANUTTO CARDILLO - INSTITUTO DE SAÚDE E SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO BERNARDO DO CAMPO/SP, MARIA IZABEL COSTA SANCHES - INSTITUTO DE SAÚDE, RODRIGO OCAMPOS TROITINO - SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO BERNARDO DO CAMPO/SP, VAGNER LUIS RAMOS - SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO BERNARDO DO CAMPO/SP
Contextualização A Constituição de 1988 determinou que todo cidadão tem direito a acessar os serviços de saúde, independente do gênero, classe, raça, idade etc. Entretanto, a pessoa em situação de rua (PSR) ainda encontra barreiras para a garantia de tais direitos. A implementação da equipe do Consultório na Rua (CnR) tem buscado alterar esta situação, mas ainda são muitos os desafios. O CnR é vinculado à Atenção Primária em Saúde (APS) e atua junto às PSR de forma a promover, acompanhar o acesso e garantia de direitos na rede de saúde e tem com isso a articulação intersetorial como forma de integralidade do cuidado. Para isso requer a articulação em rede de forma negociada, mediada e planejada para que o acesso e direito à cidadania seja construído e propiciado junto à esta população. O desafio da integralidade para que promova junto com a pessoa a cidadania com acesso aos direitos requer a articulação intersetorial tem sido um desafio no contexto atual.No município de São Bernardo do Campo - SP (SBC), há uma equipe do CnR que realiza as ações do serviço em uma cidade de 800 mil habitantes e com estimativa de 1.100 deles em situação de rua (BRASIL, 2023). Em SBC o CnR tem histórico vinculado à Saúde Mental e ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), pautado na redução de danos e em 2017 teve seu norte e diretrizes integrados à APS, aliando-se à Política Nacional da APS (BRASIL, 2011).
Descrição da Experiência A fim de discutir a ação e desafios do CnR apresentam-se dois casos com desfechos distintos: João e Maria, pardos, jovens e vulnerabilizados. João habita há um ano um terreno baldio com entulhos, possui paramentas em corpo e jaquetas, independente do clima. Já Maria permanece em locais insalubres, atualmente à beira-rio, em lamaçal, úmida e clima frio. Ambos não possuem rede de suporte social, nem crítica sobre riscos.
Realizam-se intervenções distintas. Nele, uma assistente social de um Pronto Atendimento ligou para profissionais da APS e da Emergência e Urgência, seguido de apoio da Guarda Civil. Após abordá-lo, foi encaminhado ao Pronto Atendimento de Psiquiatria (P.A.), porém não o conheciam e, sobretudo, seu estado vulnerabilizado. Logo foi transferido ao CAPS, no sábado, com equipe mínima e sem ciência prévia, incapaz de ofertar cuidados adequados, seguido de evasão. Em contraposição à Maria em que se discutiu e articulou entre CnR e CAPS, Psiquiatria do Hospital de Urgências e coordenação do SAMU.Realizaram-se acolhimentos em dias sucessivos e, após risco direto de hipotermia, o CnR apoiado pela RAPS, interveio através de mediação e diálogo. O trabalho prévio objetivou preparo da rede para recebê-la, além de ofertar e sensibilizar uma abordagem não coercitiva. Assim, após inserção na P.A. para avaliação e estabilização, encaminhou-se de forma coordenada ao CAPS.
Objetivo e período de Realização Através dos relatos de João e Maria discute-se sobre as articulações entre serviços e a atuação do CnR como ordenador do cuidado, seus desafios na construção de linhas de cuidado, coordenação entre serviços e na formulação de estratégias compartilhadas para casos que requerem maior complexidade de atuação e articulação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Estes dois relatos têm sido acompanhados há um ano e meio com as intervenções em maio/junho de 2024.
Resultados Os desfechos dos casos evidenciam a atuação do CnR como coordenador do cuidado, com abordagem integral, humanizada e estratégica. Maria longitudinalmente construiu vínculo com o CnR: seu caso foi discutido, elaborado plano de ação conjunto com a RAPS. Enquanto com João ocorreu ação coercitiva e sem devida articulação prévia com a rede. Os casos nos remetem aos desafios intrínsecos às populações vulnerabilizadas que requerem políticas públicas e ações sinérgicas. Articular uma intervenção demanda discussão sobre a autonomia do sujeito e sua possibilidade de agir no mundo, o risco à integridade física e sua capacidade de cidadania de ser e estar no mundo de forma compartilhada. O CnR locado na APS objetiva a oferta, promoção, prevenção e acompanhamento das PSR a fim de propiciar cuidados em saúde articulados na rede, intersetorialmente. Tais articulações fortalecem as políticas públicas aumentando a integralidade e ponderando as iniquidades que ocorrem nesse processo. A atuação na situação singular de João e Maria é como tecer conexões na possibilidade de gerar cuidados que retomam a dignidade humana, a cidadania e uma aposta na produção do cuidado como forma de propiciar autonomia.
Aprendizado e Análise Crítica O desfecho do caso da Maria evidencia a potencialidade do CnR como coordenador do cuidado e principal porta de entrada do Sistema Único de Saúde para a PSR. A discussão de ordenação do cuidado do CnR nos remete à própria APS - que traz toda a complexidade da equipe se empoderar do papel ativo e desafiador na tomada de decisão de intervenção junto aos sujeitos em situação de rua uma vez que, quando requer avaliação de risco de vida e/ou paralisação da capacidade do sujeito de agir sobre o mundo e de interferir sobre sua rede de dependências, como discute Campos (2012).
Um articulador para a gestão do cuidado requer conhecimento da rede e de sua circulação entre os serviços. Além disso, requer a dimensão ética do agir estratégico de intervenção tendo em sua perspectiva a construção singular da potência do agir e de estar no mundo compartilhadas, não sem tensionamentos internos com a própria equipe, PSR e atores da rede.
De toda forma, analisar a coordenação do cuidado a partir do CnR reafirma seu papel estratégico na tessitura e formação de redes, nas negociações, tensões e desconfortos que podem provocar na Rede de Atenção à Saúde a possibilidade de reconduzir excluídos ao campo da cidadania.
Referências BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº. 22, de 25 de janeiro de 2011. Define as diretrizes de organização e funcionamento das Equipes de Consultório na Rua. Diário Oficial da União 26 jan 2012; Seção 1. Disponível em: < https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/ gm/2012/prt0122_25_01_2012.html>.
BRASIL. Ministério do Planejamento e Orçamento. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA. Estimativa da população em situação de rua no Brasil (2012-2022). Marco Natalino, nº 103. Brasília: Ministério do Planejamento e Orçamento, fevereiro de 2023. Disponível em: https://tinyurl.com/44cs2s9y.
CAMPOS, Rosana T. Onocko; CAMPOS, Gastão Wagner de Souza. Co-construção de autonomia: o sujeito em questão. In: CAMPOS, Gastão Wagner de Souza et al. (Orgs.) Tratado de Saúde coletiva. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 2012. Disponível em .
Fonte(s) de financiamento: Não há
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