51946 - SE ESSE CORPO FOSSE MEU – UMA INTERPRETAÇÃO DOS SENTIDOS DE CORPO E SAÚDE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NADJA MARIA SOUZA ARAUJO - AGSUS, INESITA SOARES DE ARAUJO - ICICT/FIOCRUZ
Apresentação/Introdução O conteúdo deste trabalho integra a tese “Se essa rua fosse minha, se esse corpo fosse meu – Políticas públicas, corpos e saberes da população em situação de rua em tempos de pandemia”, defendida em 2021. Ele sintetiza a análise dos documentos que compõem as políticas públicas para a população em situação de rua (PSR) no Brasil e as garantias para essa população no Distrito Federal, após o advento da pandemia.
Foram selecionados 50 documentos: os da primeira fase da implantação da Política Nacional para a População em Situação de Rua (PNPR), entre 2008 e 2019 e os da segunda fase, produzidos durante a pandemia, apenas no Distrito Federal. Sobre eles foram realizados dois movimentos analíticos complementares e consecutivos: análise documental e análise discursiva.
A análise documental consiste em uma série de operações no intuito de estudar documentos para compreender as circunstâncias que conformam um objeto de investigação, no nosso caso específico, as políticas públicas para a PSR. Os documentos passaram por processos identificatórios e classificatórios, considerando época, origem institucional, autoria, gênero documental, vinculações com outros documentos. Pela análise discursiva, se buscou os sentidos de corpo, saúde e cuidado, consideradas as suas condições de produção, as vozes e as palavras plenas constitutivas dos textos.
Objetivos Definir os sentidos de corpo e de saúde/doença construídos nos documentos que expressam e dão concretude à Política Nacional de Atenção à População em Situação de Rua, bem como nas políticas de garantia de proteção e cuidado durante a pandemia no Distrito Federal.
Metodologia A análise documental foi aplicada aos decretos, portarias, cartilhas e manuais que guardam a memória da construção das políticas públicas no âmbito federal. No Distrito Federal, vários documentos se mostraram importantes para revelar as medidas que foram tomadas para proteger a PSR do adoecimento.
No primeiro bloco, os documentos foram analisados separadamente, mas respeitando o cruzamento e a relação entre eles, alguns foram incluídos nas análises nominadas dos documentos com mais envergadura. Os analisados a fundo trazem discursos fundadores para a política.
No segundo bloco, a análise foi feita considerando-se o conjunto dos documentos e sistematizada num grande quadro evidenciando as palavras plenas e as vozes encontradas em cada texto, separadas por tipo de documento.
Os documentos foram buscados nos sites oficiais do governo federal e a cada referência encontrada foi necessário ampliar o acervo empírico da pesquisa. Na fase da pandemia, as discussões com a militância dos movimentos sociais e gestores que elaboraram o Plano Intersetorial para atendimento a PSR deram acesso à grande produção de documentos para garantia de direitos na conjuntura da calamidade pública.
Resultados e Discussão Os documentos dialogam entre si e fazem do referenciamento de outros documentos suas afirmações enquanto instrumentos de garantia de direitos. As políticas públicas de saúde, estão pautadas no acesso e baseadas na heterogeneidade da PSR.
A heterogeneidade é a principal palavra nos discursos das políticas públicas. A heterogeneidade fala dos motivos que os levaram as ruas, por várias questões relacionadas às crises econômicas e políticas, a problemas de saúde, violência. Também da forma como se posicionam nas ruas, e suas relações numa rua tão diversa de possibilidades quanto de violações.
Acesso é a palavra mais plena de sentido nos documentos que implantam a estratégia dos consultórios na rua como oferta de serviços de saúde para a PSR. Esse acesso tem o objetivo de romper com as barreiras e violências institucionais enfrentadas pelas pessoas da rua.
O corpo que surge dos discursos é o corpo como espaço de ação da política pública, onde o biopoder é exercido. O corpo que emerge nas políticas é o que é responsável pela sua saúde e seu adoecimento, é sobre essa concepção que age o biopoder, controlando os corpos para que não adoeçam.
Durante a pandemia, os sentidos construídos pelos documentos produzidos pela Sedes/DF era de que os alojamentos eram necessários para proteger a população em geral. A PSR era considerada um vetor de disseminação do vírus. Nos discursos, se mantêm a crítica ao higienismo, mas alegam que, naquele momento, era necessário eleger ações prioritárias e abrigar as pessoas, porque na rua a dificuldade de manejo seria bem maior. Por várias entradas, a partir de vários interlocutores e com diferentes interesses subjacentes, o discurso higienista da internação, da exclusão do convívio social ganha centralidade durante a pandemia.
Conclusões/Considerações finais A participação e o controle social, além do reconhecimento de outros saberes permitiram, após séculos de exclusão, que o mínimo de direitos fosse garantido à PSR. Todas as garantias possíveis durante a pandemia estão baseadas na Política Nacional para a População em Situação de Rua.
Quando uma pessoa da rua grita que é mais que um usuário de drogas, e um governo escuta e se compromete em ampliar seus direitos, esse governo enfrenta as desigualdades, superando as estruturas que sustentam as formas de produção da inexistência (Santos, 2000). A escuta e esse acolhimento quebram elos nas correntes hegemônicas que dominam os poderes e os saberes, posicionam melhor as pessoas em situação de rua.
Concluímos que há uma convergência dos sentidos de corpo, saúde e cuidado de si, quando se trata do arcabouço legal, sendo esse sentido o de que saúde é mais que ausência de doenças. Uma saúde pautada na sua promoção, no enfrentamento do adoecimento, uma busca por viver mais e melhor.
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Disponível em: http://www.matrizes.usp.br/index.php/matrizes/article/view/561.
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