Comunicação Coordenada

04/11/2024 - 17:20 - 18:50
CC2.4 - Política para a população em situação de rua: o fio da navalha entre a perpetuação das desigualdades e o cuidado em saúde

50410 - GRUPO DE MULHERES EM SITUAÇÃO DE RUA ENQUANTO DISPOSITIVO DE PROMOÇÃO DE SAÚDE MENTAL E RESISTÊNCIA: UM RELATO SOBRE AS “MADALENAS”.
LÍVIA MARIA DE SOUSA ARAÚJO - UFC, VERÔNICA MORAIS XIMENES - UFC, MARINA CASTELO RODRIGUES - UFC, LIANA CAPISTRANO LOPES - UFC, THAMARA BARBOSA TEIXEIRA DIAS - UFC, MARIA OLÍVIA MENDES ROCHA - UFC


Contextualização
Diversos são os fatores que contribuem para elevar os quantitativos da população em situação de rua. Ao adentrarem na vivência das ruas, essas pessoas se deparam com a vulnerabilidade extrema, sendo alvos de violência por parte de grupos armados, policiais e civis. Quando se faz recortes interseccionais, percebe-se que raça e gênero são fatores agravantes de sofrimento para determinados corpos que fogem da normatividade branca, patriarcal e heteronormativa. No caso das mulheres em situação de rua, seus corpos estão em constante ameaça de violações sexuais, feminicídio e diversas outras violências de gênero. Tais corpos são negligenciados por políticas de saúde pública que ainda não são integralmente preparadas para atender um público que não se adequa a demandas formais de documentação e moradia, além de atualizarem processos de subalternização, negando-as a cidadania (BRITO; SILVA, 2022). Esses fatores, em conjunto, contribuem para uma insuficiência no acesso a serviços de saúde, podendo ser considerados promotores de iniquidades em saúde mental para as mulheres em situação de rua (COLDIBELI; PAIVA; BATISTA, 2023). Nesse cenário, a atividade de extensão do Núcleo de Psicologia Comunitária - NUCOM - da Universidade Federal do Ceará é uma importante aliada na promoção de saúde mental e fortalecimento político na luta por direitos.

Descrição da Experiência
Tendo em vista a dimensão psicossocial da vulnerabilidade de pessoas em situação de rua, abordaremos aqui a experiência da extensão no grupo de mulheres em situação de rua “Madalenas”. O grupo ocorre semanalmente, nas tardes de quarta-feira, na ONG Casa da Sopa, e foi iniciado a partir do desejo das assistidas de terem um espaço para compartilhar suas vivências. Dessa forma, por tratar-se de um grupo já consolidado, as extensionistas ingressaram tendo como perspectiva a necessidade de conhecer as participantes e as particularidades do grupo e, visando a vinculação gradual das Madalenas com as extensionistas, apenas extensionistas mulheres ou alinhadas ao feminino foram aos encontros. Após o período de observação e vinculação, iniciamos nossas facilitações de grupo a partir das metodologias participativas utilizadas nas práticas de Psicologia Comunitária (XIMENES; et al., 2017) e o Teatro do Oprimido, por meio da encenação improvisada de situações de violência e busca de soluções (BOAL, 1991). As temáticas das discussões e debates partiam de inquietações das próprias Madalenas, produzindo fortalecimento e vinculação do grupo e coerência na abordagem de temas pertinentes à condição de rua enquanto mulheres. Os encontros foram registrados por meio de fotografias e diários de campo.

Objetivo e período de Realização
Este trabalho objetiva apresentar um relato de experiência da atuação de extensão em Psicologia Comunitária no grupo de mulheres em situação de rua “Madalenas”, afirmando-a como promotora de saúde mental, impulsionando o senso de comunidade, as potencialidades e o enfrentamento frente às violações de direito advindas da intersecção entre situação de rua e questões de gênero. A experiência foi iniciada em 2023 e o vínculo continua em 2024, totalizando 6 encontros facilitados por extensionistas.

Resultados
Considerando que Madalenas é um grupo de mulheres independentes, protagonistas de suas histórias, durante o período de participação dos encontros, buscamos dar espaço para temáticas por elas levantadas, permitindo a circulação de debates. Foram trabalhados temas como território, violências, história de vida, festividades e papéis de gênero. Pudemos acompanhar a apropriação das vivências das diversidades femininas em situação de rua, o impulsionamento político em busca da luta por direitos, como também a criação de estratégias de enfrentamento e redes de apoio. Para além disso, o grupo tornou-se fomentador de lazer, uma vez que as participantes saíam de suas rotinas e tinham no grupo um momento delas, onde encontravam suas pares e faziam dos encontros mecanismos de cuidado, permitindo-as vivências para além do limiar do sofrimento. Como resultado, atesta-se o grupo como um espaço de promoção de saúde mental por meio não só da tomada de si de forma coletiva e política, mas também do cuidado entre mulheres. A tomada de consciência de si é um ato político, que num contexto de negligência, é essencial para lutar pelos direitos que, quando negados, são adoecedores.

Aprendizado e Análise Crítica
As vivências de todas as pessoas em situação de rua são marcadas por dificuldades e vulnerabilidades. Entretanto, há raízes históricas que demarcam corpos e direcionam violências para pessoas que desobedecem o sistema neocolonial brasileiro, produzindo silenciamento, apagamento, morte e validando a ideologia fatalista imobilizante. A partir da experiência de participação e facilitação dos encontros das Madalenas, foi possível perceber que nos colocarmos em posição de escuta permite que vozes silenciadas se apropriem de suas lutas, movimentem-se e contestem as ferramentas de opressão direcionadas às mulheres em situação de rua (ESMERALDO; XIMENES, 2022). As Madalenas mostraram como as diversas formas de expressão de feminilidades podem ser dispositivos de enfrentamento a estigmas e estereótipos. Feminilidades estas que já subvertem o padrão elitista, eurocêntrico, patriarcal, racista e neocolonial imposto às mulheres em países que possuem histórico de exploração colonial (RODRIGUES, 2023). Apesar de ser um grupo não vinculado a uma instituição governamental e dependente de trabalho voluntário e doações, são nos encontros dessas diversidades onde se produz cuidado, informação e organização política. É possível afirmar que a existência e resistência desse grupo é, também, uma crítica direta à desassistência dos serviços públicos de atenção psicossocial.

Referências
BRITO, C.; SILVA, L. N. DA. População em situação de rua: estigmas, preconceitos e estratégias de cuidado em saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 27, n. 1, p. 151–160, jan. 2022.
COLDIBELI, L. P.; PAIVA, F. S. DE .; BATISTA, C. B.. Itinerários Terapêuticos de Mulheres em Situação de Rua: As Múltiplas Faces do Cuidado. Psicologia & Sociedade, v. 35, p. e264738, 2023.
XIMENES, V. M. et al.. Saúde Comunitária e Psicologia Comunitária: suas contribuições às metodologias participativas. Psicologia pesquisa, v.11, n. 2, 2017.
ESMERALDO, A. F. L.; XIMENES, V. M.. Mulheres em Situação de Rua: Implicações Psicossociais de Estigmas e Preconceitos. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 42, p. e235503, 2022.
RODRIGUES, L. V. B. P.. Feminismo como cuidado: “Grupo Madalenas”, roda de mulheres em situação de rua. Conhecer: debate entre o público e o privado [S. l.], v. 13, n. 31, p. 103–117, 2023.


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