Comunicação Coordenada

04/11/2024 - 17:20 - 18:50
CC2.3 - Políticas Públicas em Saúde Indígena: diálogos entre os saberes da Saúde Coletiva e os saberes dos territórios

53305 - PARADIGMAS DA ADMINISTRAÇÃO GERENCIAL E PRÁTICAS PATRIMONIALISTAS: PRODUÇÃO DE NORMAS E PROCEDIMENTOS NA IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE INDÍGENA.
ROBERTA AGUIAR CERRI - ILMD/ FIOCRUZ AMAZÔNIA, LUIZA GARNELO - ILMD/ FIOCRUZ AMAZÔNIA


Apresentação/Introdução
A Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena (PNASPI) foi elaborada com o intuito de direcionar as ações voltadas à saúde das populações indígenas no Brasil, estabelecendo estratégias e uma estrutura organizacional ao Subsistema de Saúde Indígena (SASISUS). As diretrizes da PNASPI foram influenciadas tanto por sanitaristas e políticos engajados na Reforma Sanitária que resultou no Sistema Único de Saúde (SUS), quanto por associações e líderes indígenas na luta pelos seus direitos (Pontes, 2021).
A implementação da PNASPI, iniciada nos primeiros anos de 2000, coincidiu com um período de reestruturação da Reforma Administrativa brasileira, marcado por mudanças em direção a um modelo gerencial (Bresser, 1998). Nesse cenário, a privatização e terceirização foram adotadas como soluções para enxugar o Estado, cabendo aos governos monitorar contratos com entidades privadas, guiados por princípios gerenciais voltados para resultados e diretrizes de governança, como transparência e responsabilidade corporativa. Esse ambiente também influenciou a opção pela terceirização das ações do SASISUS, contrariando o princípio inicial da Reforma Sanitária que priorizava a cobertura de assistência à saúde diretamente pelo governo (Garnelo, 2014). A partir de 2003, consolidou-se um sistema de repasse de recursos a organizações sociais para a execução de ações de assistência aos povos indígenas.


Objetivos
Este estudo busca analisar em que medida o contexto político e burocrático de formulação de normas e procedimentos da Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena (PNASPI) criaram condições para que a saúde indígena se estabelecesse como um campo de atuação da Atenção Primária à Saúde (APS) no país.

Metodologia
Estudo exploratório, de base qualitativa e estritamente documental sobre a produção de portarias normativas em saúde indígena emitidas pelo MS no período compreendido entre 2011 e 2022. A fonte de dados foi o Sistema de Legislação da Saúde (SLEGIS). A inclusão de documentos priorizou aqueles relativos à regulamentação da gestão do Subsistema e normatização da assistência à saúde, sendo excluídos os demais, resultando em 30 documentos. Também se investigou como o próprio Estado avalia a implementação da política de saúde indígena. A busca em fontes oficiais resultou no Relatório de Avaliação da Gestão da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) para o Exercício 2019, conduzido pela Controladoria-Geral da União (CGU), que teve como principal propósito analisar se as ações da SESAI estavam contribuindo efetivamente para o cumprimento dos objetivos da PNASPI, considerando a relação custo-benefício dos recursos investidos.

Resultados e Discussão
O estudo das portarias selecionadas evidenciou que a maioria dos atos (26 de 30) tinham o propósito de viabilizar a operacionalização do Subsistema de Saúde Indígena (SASISUS) e regulamentar os contratos terceirizados. Apenas 4 portarias estavam relacionadas à definição de diretrizes, planos e normas para a execução de serviços. Isso aponta para uma priorização da área administrativa e de controle em detrimento da produção de orientações para a prestação de serviços de saúde aos povos indígenas. Além disso, a falta de orientações administrativas abrangentes para aspectos como preparo de profissionais interculturais, monitoramento de ações de saúde, articulação interfederativa e ética na pesquisa e atendimento indígena foi notável.
A avaliação da Controladoria-Geral da União (CGU) em 2020 revelou falhas substanciais no modelo de gestão e atendimento do SASISUS, apesar do alto investimento de R$ 1,5 bilhão em 2019. Entre as lacunas identificadas estavam a falta de embasamento técnico na contratação de profissionais, possíveis conflitos de interesse de coordenadores regionais, deficiências no planejamento de metas, acompanhamento de convênios, relatórios desatualizados e ineficazes, ausência de indicadores para orientar decisões e avaliar resultados, e a falta de controle sobre a confiabilidade dos dados utilizados. O relatório enfatizou a necessidade de melhorias significativas na gestão dos serviços prestados pela SESAI para estar em conformidade com os objetivos da PNASPI. Adicionalmente, a pesquisa destacou que o modelo de administração baseado em convênios, aliado às vulnerabilidades de governança apontadas pela CGU, facilitou práticas de distribuição de recursos por coalizões políticas em busca de apoio legislativo, influência governamental e benefícios eleitorais.


Conclusões/Considerações finais
A ênfase na terceirização e no controle dos contratos mostrou que a saúde indígena foi impactada pela adoção de práticas alinhadas com os paradigmas da reforma administrativa. Entretanto, a CGU apontou falhas na gestão da política, revelando um descompasso entre a teoria e a prática. Enquanto a política priorizou a adesão a certos paradigmas da reforma, a realidade evidenciada pelo órgão de controle apontou para ineficácia dessas práticas na garantia da governança. Como efeito, tal cenário foi propício à prevalência de práticas patrimonialistas que se beneficiaram do modelo de gestão implantado.

Conclui-se que essa combinação de fatores suplantou a doutrina contida na formulação original da política de saúde indígena, não resultando em uma burocracia capaz de propiciar meios para que o SASISUS atue como um tipo singular de atenção à saúde no país.


Referências
Bresser Pereira LC. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Lua Nova: Revista de cultura e política. 1998; 45: 49-95.


Garnelo L. O SUS e a saúde indígena: matrizes políticas e institucionais do Subsistema de Saúde Indígena. In: Garnelo L, Teixeira CC. Saúde indígena em perspectiva: explorando suas matrizes históricas e ideológicas. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2014. p. 107-144.

Pontes ALM. Debates e Embates entre Reforma Sanitária e Indigenismo na Criação do Subsistema de Saúde Indígena e do Modelo de Distritalização. In Pontes ALM, Machado FRS, Santos RV. Políticas antes da política de saúde indígena. 1ª ed. Rio de Janeiro: Fiocuz; 2021. p. 205-229.

Fonte(s) de financiamento: Ministério da Saúde, Capes, Cnpq


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