Comunicação Coordenada

04/11/2024 - 17:20 - 18:50
CC2.2 - Políticas Públicas em Saúde Indígena: planejamento, uso de indicadores de saúde e educação permanente

50507 - CAMINHOS DE CURA E CUIDADO DECOLONIAIS: A INTEGRAÇÃO DA JUREMA SAGRADA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
JONATAN WILLIAN SOBRAL BARROS DA SILVA UCHÔA - FIOCRUZ PERNAMBUCO, SYDIA ROSANA DE ARAUJO OLIVEIRA - FIOCRUZ PERNAMBUCO


Apresentação/Introdução
Ainda que a medicina biomédica colonial/moderna seja hegemônica, os povos tradicionais desde a antiguidade, tratavam suas enfermidades através de práticas terapêuticas e de cura, alicerçadas pelo ambiente à sua volta (Coutinho, et al. 2002). A colonialidade no cuidado em saúde amálgama um padrão estético, que massifica o consumo, prescreve o que é saúde e doença e hierarquiza os modos de cuidado (Bezerra, et al, 2023). Aponta-se a necessidade do surgimento de outros paradigmas, onde hoje predomina o suposto neutro conhecimento científico. A atitude decolonial da saúde conclama e reivindica a legitimidade, discussão e diálogo de outros cuidados, sentidos e entendimentos.

A Jurema Sagrada é uma prática religiosa de tradição indígena fortemente presente no Nordeste brasileiro, ao qual está vinculado à árvore de mesmo nome. Sua medicina tradicional e cuidado em saúde está baseada na multidimensionalidade, numa visão holística e integral, a partir do corpo físico, mente e espírito (Oliveira, 2017).

A Atenção Primária à Saúde (APS) se materializa como lócus privilegiado para inserção de outras racionalidades e perspectivas de cuidado (Tesser, Sousa, 2012). Ainda que não institucionalizada, as práticas e cuidados da Jurema Sagrada podem ser integrados e reconhecidos na APS e seu território adscrito a partir da sua permeabilidade e produção de cuidado mais abrangente e coletivo.

Objetivos
Refletir sobre os cuidados de saúde decoloniais produzidos nos terreiros de Jurema Sagrada e
propor estratégias de diálogo e de articulação entre os terreiros e as equipes de Saúde da Família para produção de um cuidado intercultural no território.


Metodologia
O trabalho se insere num estudo maior “Construindo Pontes: saberes e práticas de saúde decoloniais da Jurema Sagrada e a Estratégia de Saúde da Família” que se projeta como uma pesquisa-ação para entendimento e promoção do diálogo intercultural e decolonial entre a medicina tradicional da Jurema e seus terreiros junto à APS e seu território adscrito.

Trata-se de um ensaio teórico alicerçado pelos trabalhos e estudos decoloniais da Saúde Coletiva, assim como de textos e trabalhos acadêmicos que se debruçam na Jurema Sagrada e suas práticas de cuidado em saúde. Além disso, as reflexões e percepções produzidas pelo autor principal em um caminho auto etnográfico enquanto pesquisador, sanitarista e liderança de um terreiro de Jurema localizado na Região Metropolitana de Pernambuco.

O trabalho se ancora na definição da colonialidade como a lógica global de desumanização, que reflete sobre o senso comum e pressuposições científicas do tempo, espaço, conhecimento e subjetividades, ao qual subscreve e inferioriza outras lógicas e perspectivas. E na decolonialidade como a luta contra a lógica da colonialidade e seus efeitos materiais, epistêmicos e simbólicos (Maldonado-Torres, 2018).

Resultados e Discussão
O cuidado em saúde hegemônico está dominado pela colonialidade do ser, do saber e do poder, ao qual delimita e prescreve unilateralmente o que o outro deve ou não fazer e reprime suas subjetividades (Bezerra, et al., 2023). A medicina tradicional da Jurema Sagrada tem sua origem na medicina indígena e é permeada pela cultura afro diaspórica e brasileira, materializando os saberes tradicionais e ancestrais dos povos colonizados.

A APS enquanto espaço mais permeável e estratégico para inserção de outras racionalidades de cuidado no SUS, comunga de características similares a estas perspectivas decoloniais, como meios terapêuticos mais simples, baixo custo, despojados tecnologicamente e mecanismos naturais de cura centrado no usuaŕio (Tesser, Sousa, 2012). Além disso, a APS deve buscar a produção de um cuidado compartilhado aos equipamentos sociais do território.


Ainda que o Conselho Nacional de Saúde (2023) reconheça os terreiros como equipamentos produtores de saúde complementares, a lógica colonial produziu um distanciamento das práticas ancestrais de cura praticadas no terreiro, associado à demonização das religiões de matriz afro-indigena, junto à Saúde da Família. Se faz necessário a integração e construção compartilhada do cuidado no território, numa perspectiva decolonial.

Estratégias como oficinas integrativas de sensibilização e corresponsabilidade territorial, visitas e diálogos interculturais, iniciativas de educação continuada e permanente, cocriação de fluxos de encaminhamento entre os equipamentos, articulação com outros programas e políticas transversais, assim como, a sistematização da medicina tradicional da Jurema Sagrada, possuem grande potencialidade para estabelecer este diálogo e ponte de cuidado intercultural e decolonial no território da APS.

Conclusões/Considerações finais
A identificação, compreensão e reflexão das práticas das medicinas indígenas e afro-brasileiras, como as da Jurema, tem muito a contribuir na promoção da saúde, alinhada à integralidade do SUS e da APS. O debate decolonial na saúde coletiva iniciou um movimento importante de retorno e reconstrução do pensar o cuidado em saúde para além do que foi socialmente imposto na lógica colonial. O giro decolonial conclama um retorno aos saberes tradicionais e reivindica o olhar mais atento às intersubjetividades, dimensões e camadas múltiplas do cuidado em saúde.

Os terreiros de Jurema estão há décadas inseridos nos territórios da APS, produzindo saúde e cuidado aos seus adeptos, mas seguem sendo invisibilizados. Se faz mais do que necessário o reconhecimento e a legitimidade dos cuidados produzidos e a criação de uma realidade em que a APS enxergue nos terreiros de Jurema espaços de cura e de cuidado intercultural e promova o diálogo destas visões de mundo e de saúde.

Referências
COUTINHO, D.F. e et al., Estudo etnobotânico de plantas medicinais utilizadas em comunidades indígenas no estado do Maranhão - Brasil. Visão Acadêmica, Curitiba, v. 3, n. 1, p. 7-12, 2002

BEZERRA, P. A. e et al., Colonialidade e saúde: olhares cruzados entre os diferentes campos. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 33, p. e33025, 2023.

OLIVEIRA, A. A. S. Juremologia: uma busca etnográfica. Dissertação (Mestrado) - Universidade Católica de Pernambuco, Mestrado em Ciências da Religião, Recife, 2017.

MALDONADO-TORRES, N. Analítica da colonialidade e da decolonialidade: algumas dimensões básicas. In: COSTA, J. B.; MALDONADO-TORRES, N.; GROSFOGUEL, R. Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Autêntica Editora, 2018. p. 27-53.

TESSER, C. D.; SOUSA, I. M. C. Atenção primária, atenção psicossocial, práticas integrativas e complementares em saúde e suas afinidades eletivas. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 21, n. 2, p. 336-350, 2012.

Fonte(s) de financiamento: Bolsa de Doutorado CAPES


Realização:



Patrocínio:



Apoio: