04/11/2024 - 13:30 - 15:00 CC2.1 - Saúde mental, cuidado emancipatório, vulnerabilizações históricas e lutas por direitos |
53876 - ATENÇÃO PSICOSSOCIAL E O ATLÂNTICO NEGRO: AVALIAÇÃO DA AÇÃO PÚBLICA EM SAÚDE MENTAL EM TERRITÓRIOS RACIAIS ANCESTRALIZADOS NO ESTADO DO CEARÁ FRANCISCO ANDERSON CARVALHO DE LIMA - UFC / UECE, ALCIDES FERNANDO GUSSI - UFC, CARMEM EMMANUELY LEITÃO ARAÚJO - UFC
Apresentação/Introdução O delineamento da política nacional de saúde mental brasileira inscreve universalismos atrelados à constituição de uma identidade nacional configurada no sexismo, elitismo e racismo no movimento modernizador pós-abolição, engendrando elementos de antinegritude que atualizam a colonialidade nos aspectos institucionais das políticas públicas por meio da perpetuação de um sentido de escravidão sobre o corpo negro (Lima, 2020).
Objetivos Objetivamos, neste relato de pesquisa, situar discussões no campo da Saúde Coletiva tomando por base elementos empíricos de processos de pesquisa realizados em territórios raciais ancestralizados no Cariri cearense e na região metropolitana de Fortaleza, que objetivou mobilizar as categorias de Atlântico Negro, atenção psicossocial, colonialidade e racialidade, em uma avaliação da ação pública em saúde mental no estado do Ceará.
Metodologia Para fundamentar o processo teórico-metodológico, nos situamos em uma perspectiva descolonial afrodiaspórica, por meio de uma opção descolonial avaliativa (Lima; Gussi, 2021), articulando elementos das abordagens de avaliação de políticas públicas pós-construtivista (Lejano, 2012) e antropológica, na avaliação Made in Africa (Chilisa; Mertens, 2021; Frehiwot, 2022), na metodologia de pesquisa originária e afrodescendente (Cunha Jr., 2008), no quilombismo (Nascimento; Ratts, 2006) e em perspectivas teóricas afropessimistas (Sexton, 2016;). Foram realizadas entrevistas com profissionais e usuários dos serviços de saúde, análise de documentos e dados secundários sobre a implementação da atenção psicossocial, observação participante e incursões etnográficas em uma perspectiva multissituada (Marcus, 1995) no período de novembro de 2021 a agosto de 2023 em territórios raciais ancestralizados, a fim de compreender as relações entre a ação pública em saúde e sua instrumentalidade na implementação da atenção psicossocial.
Resultados e Discussão Discutimos a experiência social de mulher negra quilombola em situação de violência no acesso à atenção psicossocial, deparando-se com um desamparo público balizado em uma experiência de antinegritude (Sexton, 2016), com a qual mobilizamos o corpo-território (Nascimento, 2006) e situamos processos de pertencimento, autorreconhecimento e identidades ancestralizadas, discutindo noções de cuidado, intersetorialidade e acesso na atenção psicossocial; e identidades e percepção racial de profissionais de saúde brancos na Atenção Primária em Saúde em comunidades quilombolas, no qual mobilizamos a (de)composição de uma cena racial (Fanon, 2008) materializada no cotidiano de serviços do SUS e na autopercepção de profissionais de saúde brancos em processos de cuidado com pessoas negras em territórios raciais ancestralizados. A partir da experiência da política de saúde mental e atenção psicossocial implementadas enquanto ação pública (Lascoumes; Le Galès, 2012) nos territórios estudados, visualizamos a antinegritude (Vargas, 2020), que nega a condição ontológica de sujeito da existência negra e a inclui na constituição da modernidade pública por meio da inscrição da violência colonial em regimes de escravidão perpétua (Sexton, 2016;), apontando para o reordenamento da política e fundação de uma atenção psicossocial quilombista e conjuração da violência colonial (Lima, 2020; Lima et al., 2021). Ademais, a experiência social de profissionais brancos em processos de cuidado nos componentes de saúde estudados, anunciam a mobilização da racialidade enquanto arquivo, sujeito e cenas raciais (Mbembe, 2018), para compor um código colonial que fundamenta a formação e a instrumentalidade em saúde, atualizando regimes de colonialidade conformados no racismo institucional
Conclusões/Considerações finais Observamos que a ação pública se esgueira em princípios e diretrizes de equidade que não se materializam no cotidiano de comunidades negras ancestrais. Há um espaço invisibilizado entre o delineamento da política pública e a emancipação dos povos negros no Brasil e Ceará, materializado em situações locais e localizadas com fulcro nos processos pós-abolição que fundamentam a formação do Estado-nação brasileiro enquanto projeto. Concluímos situando como o trauma colonial inscreve a neurose cultural (Gonzalez, 1984), fundada em uma fabulação racial que enseja vicissitudes de uma produção de subjetividade que engendra e contingencia fenômenos como o sexismo, elitismo e racismo como questão antimanicomial, a ser desdobrada no âmbito da ação pública tomando a consideração da experiência atlântica, a dupla consciência e o corpo-território (Nascimento; Ratts, 2006).
Referências CUNHA JR, H. Metodologia afrodescendente de pesquisa. NUPE, v. 6, n. 1, 1-10, 2008.
FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: UFBA, 2008
FREHIWOT, M. Examining the epistemology and ontology of Made in Africa Evaluation. African Eval., v. 10, n. 1, 2022
GONZALEZ, L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. ANPOCS, n. 1, 223-244, 1984
LASCOUMES, P.; LE GALÉS, P. Sociologia da ação pública. Maceió: UFAL, 2012
LEJANO, R. Parâmetros para análise de políticas. Campinas: Arte Escrita, 2012
LIMA, F. Trauma, colonialidade e a sociogenia em Fanon. Arq. bras. psicol., v. 72, n. spe., 80-93, 2020
LIMA, F. A. C.; GUSSI, A. F. Pode o subalterno avaliar? Aval. Pol. Pub., v. 6, n. 20, 11-35, 2021
MARCUS, G. Ethnography in/of the world system. Annu. Rev. Ant., v. 24, 95-117, 1995
MBEMBE, A. Crítica da razão negra. São Paulo: n-1, 2018
NASCIMENTO, B; RATTS, A. Eu sou atlântica. São Paulo: Kwanza, 2006
SEXTON, J. Afro-pessimism. Rhizomes, 29: s.p, 2016
Fonte(s) de financiamento: Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
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