50722 - • SISTEMAS UNIVERSAIS DE SAÚDE EM BRASIL E PORTUGAL: UMA ANÁLISE COMPARADA DE SUAS ORIGENS, TRAJETÓRIAS E CRISES ANDRE VIANNA DANTAS - FIOCRUZ-EPSJV
Apresentação/Introdução Políticas sociais de grande envergadura, como nos mostra a história, resultam da luta organizada dos trabalhadores. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) e, em Portugal, o Serviço Nacional de Saúde (SNS), confirmam a tese. No entanto, os processos políticos português e brasileiro dos últimos 50 anos, que engendraram tais políticas, guardam diferenças substantivas: no primeiro caso uma revolução e no segundo uma transição pactuada. Entendemos que a despeito do fosso notável entre uma experiência de democracia que se funda a partir da ruptura da ordem e outra que resulta de um processo de conciliação de classes, as semelhanças e os pontos de ligação entre um caso e outro existem e podem ser úteis, para, numa perspectiva comparada, iluminarem-se mutuamente. Tal aproximação possível – que exige um sem-número de mediações – pode ser conferida, acreditamos, na complexa e acidentada origem, trajetória e crise das mais importantes políticas sociais de ambos os países, o SUS e o SNS. Em paralelo, para além da confrontação do papel do Estado e das formas que a privatização vem assumindo em cada realidade nacional, as bases teórico-analíticas que podem sustentar este quadro comparativo se encontram, segundo nossa hipótese, na Teoria Marxista da Dependência (TMD).
Objetivos 1. Analisar comparativamente as lutas sociais de um passado relativamente recente de Brasil e Portugal, de modo a inserir os resultados práticos de ambos os processos na história política que de lá para cá se desenrolou.
2. Traçar paralelos entre as trajetórias do SUS e do SNS, tomando-os (enquanto políticas sociais) como expressões totalizantes das contradições de classe que se configuram em ambos os países.
Metodologia O método comparativo possui uma importante tradição que deita raízes no Iluminismo, atravessa o século XIX e se firma como disciplina na primeira metade do século XX. Aqui, reivindicamos o método a partir da contribuição do historiador Marc Bloch, fundador da Escola dos Annales (1929). Para Bloch, “a História comparada consiste em eleger, num ou mais meios sociais diferentes, dois ou mais fenômenos que à primeira vista parecem apresentar certas analogias, descrever as suas curvas evolutivas, constatar semelhanças e diferenças e dilucidá-las” (apud LAGE, s/d., p. 65). Como sustentação teórico-metodológica de fundo, nos filiamos ao marxismo e seu método materialista histórico-dialético, desde a sua perspectiva da necessária superação da aparência do real, assumindo a análise dos fenômenos no interior da sua totalidade. Inserida na perspectiva marxista, procuraremos testar a pertinência e viabilidade teórico-metodológica do uso das ferramentas categoriais da TMD para compreender sociedades como Portugal, considerando que o acelerado processo capitalista de concentração e centralização tem impactado especialmente a semiperiferia de regiões do chamado centro do capital.
Resultados e Discussão No Brasil e em Portugal os sistemas de saúde apresentam caráter tardio. Em ambos a interferência das políticas neoliberais foi adiada temporariamente em face das potentes lutas sociais. Também em ambos, a inserção subordinada na economia global da ordem monopolista parece ajudar a entender a rápida ascensão do setor privado na Saúde – para o quê, em ambos os casos têm se destacado o papel do Estado como agente principal do crescimento e valorização do capital.
Para o caso brasileiro este confronto tem papel notável, uma vez que é comum na literatura especializada sobre a Reforma Sanitária e o SUS atribuir-se à tal vaga histórica de conquistas duas interpretações contraditórias entre si e duplamente problemáticas: a primeira compreende o processo como ponto fora da curva, superdimensiona a vitória da classe trabalhadora e subvaloriza a força do inimigo; a segunda, ainda mais frágil, vislumbra as conquistas como antessala da construção tardia, no Brasil, de uma sociedade do bem-estar. Ambas, em maior ou menor medida, desconhecem o lugar dependente e periférico do país na ordem internacional do capital.
Entre uma reforma e uma revolução é constatável que, no geral, o resultado prático de ambas as experiências têm trilhado o rumo da conciliação de classes e do apassivamento. Acreditamos, assim, que a unidade captável na diversidade dos processos que pretendemos confrontar pode contribuir para uma compreensão mais profunda do caso brasileiro, pela superação de determinadas aparências quando o assunto é a luta de classes em sua dimensão nacional, a emancipação que a ordem do capital na periferia (e mesmo no centro, em crise) é capaz de comportar, bem como a busca de uma medida mais justa entre reforma e revolução, como par dialético inseparável.
Conclusões/Considerações finais O quadro atual da saúde em ambos os países, guardadas as proporções, não difere muito na forma: relação promíscua entre público e privado, ampliação contínua dos gastos privados em saúde e redução proporcional do investimento público, privatização da gestão e sucateamento dos equipamentos públicos, além de financiamento direto e indireto do setor privado pelo Estado. Embora por caminhos políticos distintos, é de se notar que SUS e SNS se encontrem em lugares relativamente aproximados. Tal constatação nos impõe a necessidade de compreensão do padrão de atuação e reprodução do capital, em cada sociedade específica (transferências de valores e intercâmbio desigual, cisão entre a estrutura produtiva e as necessidades das massas, e a forma e o grau da exploração da força de trabalho). Eis o terreno a partir do qual pretendemos aproximar as realidades de Brasil e Portugal.
Referências DANTAS, André Vianna. Do socialismo à democracia – tática e estratégia na Reforma Sanitária Brasileira. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2017.
LAGE. O. História comparada e método comparativo historiográfico: problemáticas e propostas. Disponível em: https://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/viewer.html?pdfurl=https%3A%2F%2Fler.letras.up.pt%2Fuploads%2Fficheiros%2F16376.pdf&clen=155047&chunk=true. Acesso em: 28/mar/2022.
LUCE, Mathias Seibel. Teoria Marxista da Dependência – problemas e categorias. Uma visão histórica. São Paulo: Expressão Popular, 2018.
MAIA, Bruno. O negócio da saúde – como a medicina privada cresceu graças ao SNS. Lisboa: Bertrand Editora, 2021.
SANTOS, Boaventura de Sousa. O Estado e a sociedade em Portugal (1974-1988). Porto: Edições Afrontamento, 1998 (3ª edição).
VARELA, Raquel. História do Serviço Nacional de Saúde em Portugal – do Estado Novo aos nossos dias. Lisboa: Editora Âncora, 2019.
Fonte(s) de financiamento: Não se aplica.
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