04/11/2024 - 13:30 - 15:00 CC1.1 - Mercado, Justiça e Saúde: os desafios para a garantia de acesso no sistema de saúde brasileiro |
50350 - A EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL E NA COLÔMBIA: UMA ANÁLISE COMPARADA NA PERSPECTIVA HISTÓRICA E DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE LUCIANA SOUZA D'ÁVILA - ESP-MG, ELI IOLA GURGEL ANDRADE - UFMG, FERNANDO MUSSA ABUJAMRA AITH - USP
Apresentação/Introdução O direito à saúde no Brasil é uma grande conquista que, no bojo da redemocratização do país e do Reforma Sanitária, foi reconhecido pela Constituição de 1988 como um direito universal, em que todos têm o direito de serem atendidos pelo SUS, independentemente da sua condição de saúde ou financeira. Avanços têm sido observados no acesso à saúde, mas há ainda desafios, entre eles a contradição constitucional ao permitir a entrada do setor privado na atenção à saúde, o subfinanciamento crônico, a judicialização e a desigualdade social, desafios agravados por políticas de austeridade e redução de despesas públicas, elevando a participação das pessoas no custeio direto com a saúde. Tal cenário aproxima o SUS da Cobertura Universal, defendida por organizações multilaterais e caracterizada pelo papel do Estado como regulador e responsável por ações básicas destinadas aos vulneráveis, discriminando os grupos de acordo com a capacidade de pagamento. Para a análise desses desafios, optou-se pela comparação com a Colômbia, pois além de apresentar expressiva judicialização da saúde, sua reforma sanitária ocorreu no mesmo momento histórico do Brasil, a partir de um processo de luta contra abusos de direitos humanos e desigualdades. O direito à saúde, entretanto, foi reconhecido de forma distinta e seu sistema de saúde assumiu um modelo considerado exemplar de Cobertura Universal.
Objetivos O objetivo deste estudo foi analisar a efetivação do direito à saúde no Brasil e na Colômbia em perspectiva comparada. Ainda, buscou-se compreender o contexto sócio histórico dos dois países, a partir da interface com a efetivação do direito à saúde, e também o processo de reconhecimento e garantia desse direito, identificando-se avanços, retrocessos e desafios; analisar a judicialização da saúde, tendo em vista as características dos respectivos sistemas jurídicos e de saúde.
Metodologia O arcabouço teórico-metodológico se baseou em premissas que visaram guiar o debate e aproximar os dois casos em termos de um cenário externo de forças e interesses e um interno de desigualdades e lutas permanentes por direitos. Foram discutidos os mecanismos de proteção do direito à saúde enquanto um direito fundamental; a organização dos sistemas de saúde e sua relação com os sistemas de proteção social e também aspectos relacionados à justiça e à judicialização da política. A construção da abordagem metodológica e definição da estratégia comparativa e categorias de análise ainda buscaram contribuições das Ciências Sociais, Ciência Política, Sistemas Comparados de Saúde e Direito Comparado. A coleta de dados e informações envolveu: 1) análise documental, revisão narrativa da literatura e busca de indicadores econômicos, sociais, epidemiológicos, de gastos em saúde e da judicialização da saúde; 2) entrevistas com atores-chave da reforma sanitária e da judicialização. O tratamento dos dados e informações incluiu a análise de conteúdo de forma combinada à análise crítica do discurso, além da construção de linhas do tempo, gráficos temporais e realização de testes de correlação.
Resultados e Discussão Não obstante as especificidades de cada ordem jurídica e perfis das Cortes Supremas, pode-se afirmar que a judicialização da saúde é tanto um desafio, quanto uma forma de se efetivar o direito à saúde, tornando-se parte do cotidiano dos sistemas de saúde e de justiça e exercendo um papel protetor contra o risco de gastos catastróficos por atenção cirúrgica. As características do fenômeno expressam e refletem questões estruturais da sociedade e a organização e modelo de atenção do SGSSS na Colômbia e do SUS no Brasil. Foi confirmada a hipótese do estudo de que o SUS estaria se aproximando do sistema colombiano, pois ambos os países se encontram em direção à cobertura universal. Embora a reforma sanitária colombiana tenha ocorrido no mesmo momento histórico do Brasil e a partir do mesmo contexto externo, devido a uma correlação de forças internas, a abrangência do direito à saúde foi reduzida e o SGSSS assumiu um caráter privatizante, com predominância de seguradoras e prestadores privados; enfraquecimento dos prestadores públicos e da capacidade regulatória do Estado; segmentação do acesso; priorização da sustentabilidade financeira das seguradoras e modelo de atenção baseado no asseguramento individual. O Brasil, a partir da força do Movimento da Reforma Sanitária, conseguiu frear as pressões externas e o SUS foi criado como um sistema universal, mas as políticas implementadas a seguir crescentemente descaracterizam a proposta do Sistema e o recolocam na trajetória da cobertura universal. Além do subfinanciamento crônico e do baixo investimento na infraestrutura pública, a entrada permanente e diversificada da iniciativa privada nos serviços, traz a dependência crescente de sua utilização pelo setor público e naturalização da duplicidade de cobertura e acesso.
Conclusões/Considerações finais Foi evidenciado que questões estruturais devem ser priorizadas, com fortalecimento dos serviços públicos e da atuação do Estado por meio de políticas sociais universalizantes. A cobertura universal soa eficiente ao focar em escolhas baseadas em custo-efetividade, cobertura de toda a população e redução das desigualdades e do risco de endividamento das pessoas. Entretanto, os casos estudados revelam que cobertura universal não garante acesso e leva à privatização dos sistemas em diversos níveis, aprofunda iniquidades e reforça um modelo de atenção individualizado. Escolhas devem ser feitas, mas não somente o que é mais custo-efetivo ou quem será atendido. É preciso que, no processo social dos dois países, a sociedade possa distinguir entre o direito universal à saúde e o direito de ter acesso a serviços de saúde. O primeiro, situa-se no âmbito da cidadania e da igualdade de direitos e o outro se revela meramente um direito ao consumo de serviços, a ser assegurado pelas vias do mercado.
Referências FAIRCLOUGH, N. Discurso e Mudança Social. 2.ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília,2016.
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Fonte(s) de financiamento: Bolsa de doutorado da Fapemig (PCRH)
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